No coração de Prado, litoral do extremo sul da Bahia, está localizado o Parque Nacional do Descobrimento (PND). Um tesouro natural que, em abril, celebrou seu 25º aniversário. Popularmente conhecido por suas árvores gigantes, a Unidade de Conservação (UC) é um santuário de biodiversidade, paisagens de tirar o fôlego e uma herança nacional.
Estabelecido em 20 de abril de 1999 com área inicial de 21.129 hectares, e expandido para 22.693 hectares em 2012, o PND é reconhecido como o principal refúgio para a fauna de todo extremo sul da Bahia, de acordo com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), responsável pela gestão do local.
O parque também protege parte das bacias hidrográficas dos rios Cahy, do Peixe, Imbassuaba, Japara Grande e Japara Mirim. O rio Cahy foi o primeiro ponto em que a expedição de Pedro Álvares Cabral atracou na chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500. Por conta de sua relevância histórica e geográfica, em 2000, o PND recebeu o título de Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura).
O que fazer no Parque Nacional do Descobrimento
A região costeira do extremo sul da Bahia atrai uma porção de visitantes pelas suas praias encantadoras, mas há muito mais do que o mar como diversão. No PND, o visitante pode ter contato direto com árvores icônicas e avistar espécies ameaçadas de extinção, como mutum do sudeste, pica-pau-de-coleira-do-sudeste, sabiá-pimenta e choquinha-do-rabo-cintado em meio a uma imensidão verde.
As trilhas são a melhor maneira de explorar esse ecossistema único, com opções para todos os níveis de aventureiros, desde famílias e iniciantes até os mais experientes. O Caminho da Lagoa, com 11,5 km de extensão, é ideal para quem quer conhecer o parque de ponta a ponta. A trilha dá acesso direto ao Mirante da Lagoa e ao Deque da Lagoa, além de servir de atalho para as demais estradas, que devem ser percorridas com veículo 4×4.
Para passeios mais tranquilos, as trilhas do Macaco, Gameleira Longa e Gameleira Curta são ideais. A primeira, apenas com 667 metros, é perfeita para famílias com crianças, enquanto as duas seguintes dão acesso à árvore gameleira bicentenária.
Já para os aventureiros experientes, as trilhas da Juerana e do Tambor oferecem desafios mais intensos, com aclives, declives e curvas fechadas. Ao final da primeira trilha é possível admirar a imponente árvore juerana.
Além do contato com a biodiversidade, explorar o PND traz outras possibilidades. Ao final do Caminho da Lagoa, por exemplo, os visitantes podem conhecer o Caminho de Cumuruxatiba, que oferece acesso à aldeia Gurita e à rica cultura Pataxó, mas requer acompanhamento por pessoas indígenas credenciadas à UC.
Visitação às comunidades indígenas
O etnoturismo, segundo a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), visa fortalecer a autonomia dos povos indígenas, gerar renda e minimizar impactos ambientais negativos. Além de contribuir com a economia local, conhecer o PND permite ao visitante mergulhar no estilo de vida e nos conhecimentos dos Pataxós, que apoiam a gestão da UC em parceria com o ICMBio.
Um exemplo é a aldeia Tibá, que disponibiliza várias opções, desde a observação do processo de produção de farinha de mandioca e beiju, até a participação em rituais sagrados, atividades agrícolas, pinturas corporais, artesanato e muito mais.
Turismo sustentável nos parques nacionais
Segundo monitoramento realizado pelo ICMBio, a visitação aos parques nacionais alcançou um número histórico de 11,8 milhões pessoas em 2023. Esses parques, definidos como unidades de proteção integral pela lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza), têm o dever de preservar ecossistemas de grande relevância ecológica e beleza cênica, permitindo uma gama de atividades como pesquisas científicas, educação ambiental, recreação e turismo ecológico.
Letícia Alves, psicóloga de 38 anos, que tem explorado e documentado no perfil @entreparques os parques nacionais desde 2021 junto com o economista Denis Hyde, de 43 anos, enfatiza a capacidade transformadora dessas UCs. Para ela, o contato direto com a natureza pode promover a conscientização ambiental tão fundamental para toda a sociedade.
“A gente acredita muito no ecoturismo como uma ferramenta de conservação e entende que, hoje, não há mais tempo para não se pensar na questão ambiental. O ecoturismo dentro das unidades de conservação e dentro dos parques nacionais possibilita, através das belezas cênicas, uma transformação ambiental muito grande nos turistas”, diz ela.
Um passado de conflitos
Quase 20% do PND se sobrepõe à Terra Indígena (TI) Comexatiba, onde estão as aldeias Alegria Nova, Gurita, Kaí, Monte Dourado, Pequi e Tibá. Atualmente a convivência é pacífica, mas não foi sempre assim. Em meados de 2003, ocorreu o primeiro retorno dos Pataxós ao seu território de origem. No entanto, houve resistência por parte da administração do parque daquela época, que perdurou por mais de uma década. Somente em 2018, um acordo entre o ICMBio e lideranças indígenas locais devolveu a paz à região. Um Termo de Compromisso, segundo Flavia Bertier, chefe substituta do PND, “estabeleceu direitos e deveres para ambas as partes, além de projetos para geração de renda e sustentabilidade local”.
Diego Braz, cacique da aldeia Gurita, destaca que a gestão compartilhada entre os Pataxós e o ICMBio tem sido bem-sucedida e espera que possa servir de modelo para outras comunidades indígenas. “Nós conseguimos, com muita luta, fazer o ICMBio entender qual é a nossa personalidade e os nossos pensamentos. O Termo de Compromisso está dando certo e, hoje, a gente vive em harmonia, estamos construindo um projeto diferente. E a gente quer que esse termo seja modelo para comunidades em outros estados também”, afirma.
Naquela época, também surgiu na região a necessidade de fomentar uma nova cadeia socioeconômica centrada nas pessoas. E a articulação necessária para fazer isso acontecer estava construída desde a campanha contra o leilão de blocos de petróleo próximos ao Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, em 2018. Foi assim que, sob demanda das organizações locais e apoio do WWF-Brasil, começou a se desenhar um roteiro de integração para oito Unidades de Conservação que visasse seu uso público e promovesse geração de renda sem ameaçar os ecossistemas locais.
A partir disso foi possível apoiar de forma mais direta os três Parques Nacionais (Pau Brasil, Histórico do Monte Pascoal e Descobrimento), mas indiretamente os benefícios são expandidos a mais cinco Unidades de Conservação, sendo Reservas Extrativistas e Refúgio de Vida Silvestre, em uma área de 4473 km² ao longo das costas do Cacau, do Descobrimento e das Baleias.
Mudança de nome
Durante a cerimônia de prorrogação do acordo firmado em 2018, em 2023, a atual presidenta da Funai, Joenia Wapichana, sugeriu a mudança do nome do PND, destacando que o termo “descobrimento” não reflete a verdadeira história do Brasil.
Embora o tema tenha ganhado destaque na ocasião, Bertier explica que a polêmica não é recente. “O questionamento em relação ao nome do parque sempre foi presente, especialmente por parte de visitantes, que não compreendiam a referência ao ‘descobrimento’, seja pelo fato de o parque não se estender até o litoral, onde os europeus chegaram, seja pela presença de povos indígenas na região em 1500″, lembra.
Com o reforço do diálogo entre os Pataxós e o ICMBio no ano passado, a gestão da UC desenvolveu diversas atividades de escuta por meio das redes sociais e do site do PND. De acordo com Bertier, 84% dos participantes apoiaram a alteração e sugeriram que o novo nome deveria ser escolhido por indígenas ou ser um nome de origem nativa.
Após avaliação e votação das propostas pelo Conselho Consultivo do parque, com base artigo 3º do Decreto 4340/2002, as sugestões foram submetidas ao ICMBio, em Brasília. No momento, a nova nomenclatura encontra-se em tramitação no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
Mais informações: www.instagram.com/parquenacionaldodescobrimento