Cultura Caiçara
De lua a lua, esse povo leva vida simples e singela, mas de riqueza sem igual. Um povo que, há gerações, vive harmoniosamente com a natureza. O caiçara é dono de sabedoria secular, é um verdadeiro elo entre homem e natureza.
Oriundos da miscigenação entre indígenas, colonizadores europeus e negros, os caiçaras incorporaram tradições e costumes ligados a esses povos, adaptando-os num modo de vida singular baseado na pesca, agricultura de subsistência, artesanato e extrativismo vegetal, desenvolvendo um conhecimento aprofundado sobre os ambientes em que vivem, além de tradições folclóricas e um vocabulário único.
Origem do nome
palavra caa-içara é de origem tupi-guarani; caa significa galhos, paus, “mato”, enquanto que içara significa armadilha.
Os caiçaras formam um povo que evoluiu e aprendeu a aproveitar os recursos naturais. Convivendo com o mar e a mata, sabe como poucos utilizar os benefícios da natureza.
A agricultura
É o complemento alimentar dos pescadores e seu principal produto é a farinha de mandioca – consumida em quase todas as refeições – que desde os tempos imemoriais se trata de um substituto do pão europeu e, por isso mesmo, chamada de “pão dos trópicos”. Existe, ainda, uma infinidade de produtos secundários e ervas medicinais. Seus principais produtos são: mandioca, milho, cana, feijão, guandu, inhame, entre outros.
Farinheiras
Aprender a arte da fabricação da farinha de mandioca, era uma das tarefas da mulher caiçara, que começava cedo, às vezes começavam bem crianças. A lida não era fácil, preparar a terra, plantar e colher fazia parte da rotina. Plantava-se também a mandioca venenosa, mas que não faz mal à saúde porque é lavada, raspada, espremida, coada, seca no forno, na coxa, vai outra vez no forno, outra vez na coxa até virar farinha pura. Os horários são rígidos, pois os trabalhos começam as 3 horas da manhã e só acabam ao meio-dia. O caiçara chama esse fabrico de “farinhando” e era vendida a litros.
A pesca
O caiçara aprendeu muitas técnicas de pesca ao longo do tempo, “para a pesca usa espinhel (corda extensa onde prende anzóis) e redes: tarrafa, picaré, jereré, puçá e faz nos rios as cercas ou chiqueiros de peixes. A pesca com rede requer o uso de canoa – a ubá. A rede mede cerca de 140 braças de comprimento por 6 de largura.
Para facilitar a flutuação na parte superior da rede, colocam bóias de cortiça. E na parte inferior colocam as chumbadas ou peso de barro cozido. Nas extremidades da rede, colocam cordas para puxar o arrastão. Colocam a rede no mar, levada pela ubá, e depois vêm arrastando até a praia – é o famoso “arrastão”. Hoje, os barcos a motor, fazem parte da pesca, ou seja, cada vez mais aprimorando e evoluindo dentro de seu meio.
“Com estes, o homem caiçara pesca no “mar de dentro” para sua subsistência. O arrasto da tainha merece atenção especial, pois se trata de um momento de congregação da comunidade, no qual todos trabalham para todos”.
A fabricação de canoas e a memória caiçara
A construção de canoas foi uma importante atividade desenvolvida pelos caiçaras durante muitos anos. Esta embarcação artesanal comprida, movida a remos, ou por vela de pendão ou motor de popa era muito utilizada por pescadores em suas longas jornadas ao mar. Hoje, devido às legislações de proteção ambiental, a sua fabricação é desenvolvida por pouquíssimas pessoas e está praticamente esquecida entre os habitantes do Litoral Norte.
No entanto, o Instituto Costa Brasilis e seus parceiros lançaram o projeto “Com quantas memórias se faz uma canoa” justamente com o intuito de preservar e relembrar esta importante prática da cultura indígena, além de prestarem uma justa homenagem ao mais ilustre folclorista da região Ney Martins, idealizador do projeto e falecido em 2007.
Resultado de um ano e meio de pesquisa, junto a construtores e proprietários de canoas, realizada em 36 praias e uma ilha de Ubatuba, o empreendimento resultou em um livro de mesmo nome, uma página na internet e um vídeo documentário “Canoa Caiçara”.
Todos estes produtos procuraram abordar, dentre outros temas, a importância da canoa para os pescadores, a problemática que a envolve na atualidade, a complexidade da sua produção e, claro, como não poderia faltar, as histórias de pescador, os incríveis “causos” oriundos de muitas viagens a bordo da antiga embarcação, também estão lá.
Canoas de Voga
Feita de um único tronco como o Cedro Guapuruvu e o Jequitibá, com mais ou menos 8 metros de comprimento, essas canoas talhadas à mão, quando da retirado do tronco até a oficina, havia entre a comunidade grandes festas. Era um rito quase religioso, pois a canoa era o meio de transporte das mercadorias caiçaras que eram levadas ao porto de Santos. Possuía velar e remos e era pilotada por 6 marujos em média. Esse tipo de construção de canoa era típica dos caiçaras ubatubenses.
Ser caiçara é ter orgulho de suas origens, é ter coragem para enfrentar o mar, é ter capacidade de viver no isolamento, saber dividir o produto de sua pesca e é ter consciência que Deus lhe deu as duas maiores forças da natureza: a floresta e o mar.
Vocabulário
Voz mansa, cheia de peculiaridades. O sotaque caiçara acentua as palavras de um modo diferente, troca o “v” pelo “b” e, claro, o “você” é substituído pelo “tu”. Muitas expressões do nosso dia-a-dia tiveram suas origens nessa cultura.
A troco de banana: preço baixo
Acabosse o que era doce: terminou
Amolante: vagaroso
Antonte: dois dias antes
Aperreando: não deixar fazer direito
Arria: coloca no chão
Babau: acabou
Bocaina: horizonte
Burburinho: confusão
Cala boca: admiração, espanto
Caniço: vara de pescar
Chio de peito: asma
Coça: surra
Codó: pedaço de praia pequeno
Coisinha: substitui o nome esquecido naquele momento
Consertar o peixe: limpar o peixe
Curriola: um bando de pessoas
De marca maió: muito grande
De veiz: quase maduro
Deixestá: você vai ver como é que fica
Desacorçoado: não ter motivação
Dor nas cadeira: dor nos quadris
Escambo: troca
Escárnio: pouco caso
Esculhambar: xingar, chamar a atenção, advertir
Escorar: amparar árvore caída
Estais tão gabosa: estás muito bonita
Estrada de rodagem: ruas dos dias atuais (onde trafegam carros)
Foi pro beleléu: já foi embora, morreu
Fuzilando: relampejando
Guardanapo: pano de prato
Lambedô: xarope
Marmandado: desobediente
Me aprecatei: preveni
Naco: pedaço
Ordenado: salário
Picape: vitrola
Prenha: grávida
Quebrante: mal olhado
Rachei o bico: ri muito
Reparar: olhar para criticar
Sapeca: assanhada
Subaco: sovaco
Tarrafa: espécie de rede de pesca
Temperar o café: adoçar o café
To em pandareco: estou mal
Três antonte: três dias antes
Um bocado: grande porção
Verdolenga: quase madura
Viração: vento do sul fraco
Zanzando: andando de um lado para o outro
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