Uma das maneiras mais interessantes de conhecer a cultura e a história de uma cidade é ter o privilégio de ver seus artesanatos. O artesanato caiçara é diversificado com trabalhos de cerâmica, bambu, taboa, caxeta e tecidos. No caso de São Sebastião, a técnica artesanal mais reconhecida é a de modelagem indígena chamada “acordelamento”, utilizada no século passado pela paneleira Adélia Barsotti, e é valorizada até os dias de hoje pelos artesãos da região.
Mãos habilidosas
Adélia Barsotti da Ressurreição nasceu em 1917, em São Sebastião, num tempo de prosperidade econômica da cidade. Dona Adélia foi a maior mestra na arte da panela de barro do bairro de São Francisco. No ano de 1901, chegou a ter 100 paneleiras no bairro. Em 1958, era só Dona Adélia, que veio a falecer em outubro 2003, aos 86 anos de idade. Foi mãe de 11 filhos, sendo que nenhum quis ser o sucessor de seu talento. Mas com o apoio das ceramistas da região, Dona Adélia conseguiu preservar às futuras gerações a técnica antes usada somente pelos índios.
Texto sobre Dona Adélia:
Dona Adélia da Ressurreição, uma criatura de 30 anos. Trabalhava em casa com o barro que adquire de um japonês, o qual, aliás, está contribuindo sobremaneira para a completa liquidação da cerâmica de São Francisco, pois não quer mais fornecer material para esse fim, alegando precisar do mesmo para a construção de casas.
A fim de conservar o barro úmido, dona Adélia o embrulha em folha de bananeira e o seu lugar de trabalho é o quintal da pobre casinha, nas proximidades da cozinha. Seu método de trabalho é o seguinte: toma primeiramente a parte superior de uma cuscuzeira e a coloca de cabeça para baixo. Sobre a base deste, põe uma pequena tábua quadrada que irá servir de suporte para o barro. Esse processo é adotado para facilitar o trabalho, pois, fazendo às vezes de cavalete, a tábua gira como um torno. A ceramista não costuma sentar-se. Fica de cócoras, com a saia presa à altura do joelho. Depois de colocar pedaços de barro, ainda em forma de bola, sobre a pequena tábua, bate-os até que tomem a forma de base para a peça que propõe a fazer.
Terminada essa parte começa a levantar as paredes do pote, já dando a forma que pretende imprimir à peça. É notável a habilidade que tem. Às vezes, nota-se que a peça quer mudar de forma. Dona Adélia, então, corrige-a, com segurança e rapidez. Observam-se agilidade e elegância nos seus gestos.
Qualidade
A qualidade rústica que imprime ao trabalho, como em todas as ocasiões em que a cerâmica é feita à mão, é muito rica. Nunca a peça é morta, sem interesse; sempre é viva e cada uma tem um defeito, sua qualidade, sua personalidade, havendo uma constante impressa pela mão da artista popular. As peças vão sendo feitas; às vezes, é um cuscuzeiro que sai das mãos de dona Adélia, outras é um “terno”, três panelas encaixadas umas nas outras, formando um todo, e também brilha com sua forma característica.
Para cozinhar as peças, a ceramista emprega um forno de boa qualidade. Colocando lenha na parte inferior, a separa das peças com um quadriculado de tijolo. A princípio, as queima com fumaça e fogo brando. A seguir, passa a queimá-las com fogo forte.
Dona Adélia é a única remanescente de um grupo de ceramistas que hoje desapareceu. Resistindo a tudo, ela prossegue no seu trabalho. Por isso, dizemos que se não houver qualquer providência por parte do governo, a cerâmica de São Sebastião acabará por desaparecer e com ela se acabarão os últimos vestígios de pura arte popular, que talvez tenha nascido com os primitivos habitantes de nossa terra.
(Andrade Filho, Oswald de. “A cerâmica utilitária de São Sebastião”. A Gazeta. São Paulo, 29 de novembro de 1958)
Ceramista
A arte que estava com os dias contados ganhou novos adeptos, como a ceramista Maria Aparecida Ivanov, mais conhecida por Cida, paulistana que mora há 15 anos na cidade. Conheceu Dona Adélia no projeto “Arte que vale”, criado pelo Sebrae, que tinha o intuito de resgatar antigos artesãos. Esse encontro rendeu vários frutos, pois Dona Adélia era, na época, a única responsável pela habilidosa tarefa de transformar barro em utensílios e realizar diversos trabalhos de artesanato para nossa contemplação.
Cida, explica que todo trabalho é feito artesanalmente. Primeiramente o barro é comprado das olarias em Paraibuna, geralmente são nas margens de rios ou ribeirões que oferecem o melhor barro, o mais maleável. Retirado o barro bruto, passa por um processo de limpeza no qual são retirados os grãos maiores para que sejam amassados manualmente. Em seguida, inicia o processo de confecção da panela, através de uma técnica de modelagem.
O acabamento da panela é feito em eixos rolados ou manualmente. No sistema manual, o artesão parte da base da vasilha e vai levantando o barro, construindo desta maneira as paredes da peça. Se for por eixos é o torno, rodando sobre uma pedra, movido pelos pés, que permite maior simetria na forma que se quer dar ao objeto. A partir daí, a peça seca e vai ao forno para modificar sua consistência, que perde a plasticidade e torna-se mais resistente.
Queima em forno a lenha
Segundo Cida, “a queima em um forno a lenha é muito linda, pois as labaredas no final da mesma entram e “lambem” as peças deixando-as com marcas. No entanto, o início da queima tem que ser feito com madeira “boa”, ou seja, madeira que tenha uma combustão lenta, pois necessitamos de calor para acabar de secar as peças e depois do esquente que leva em torno de 4 a 6 horas, dependendo sempre do tamanho do forno. Como madeira, pode ser utilizado o eucalipto de reflorestamento, com combustão rápida e que produz as tais labaredas que lambem.
Existe também a possibilidade de se trabalhar com madeira de poda e madeira recolhida das ruas (móveis que as pessoas jogam), mas para isso é necessário um lugar para armazenar, pois só se pode queimar quando a madeira estiver seca. Porém, se a queima do barro for no forno a gás, as peças são “pasteurizadas” e saem todas iguais e muito bonitas. São 4 horas de chama lenta no maçarico para o esquente com o forno aberto e depois o forno fechado, mais quatro horas para o cozimento do barro a fim de transformá-lo em cerâmica.”
Todas as peças, independente do forno utilizado, são cozidas de fora para dentro e a chama rápida faz com que elas estourem e não cozinhem. O acabamento da peça é feito com “coité” que é uma cabaça de árvore e “coroanha ou coipeba”, que é conhecida como semente olho de boi. Depois do cozimento, a etapa final: a peça é polida e está pronta para ser usada.
Uma forma de conferir o talento de Cida e admirar as suas belas peças artesanais que produz, é conhecer seu Ateliê localizado na entrada do Bairro de São Francisco.
Jeitinho Caiçara
Em sua casa no bairro de São Francisco, Neide da Rocha Palumbo, fez questão de relembrar um acontecimento que marcou profundamente sua vida “nossa família vivia no cinema, o cinema da cidade era do papai”. Para ela, que tem 67 anos, ser uma artista é trabalhar no resgate da cultura caiçara. Foi professora de formação nas praias de Paúba e Maresias, escreveu o livro “São Sebastião do meu tempo de menina”, que narra sua infância desde dois anos de idade, gravou um CD com 16 causos caiçaras e, além disso tudo, produz objetos artesanais tipicamente brasileiros. São bonecos de pano e bordados de cantigas, artefatos coloridos ensinados pela sua avó, peças que remetem à nossa infância. Neide se declara uma mulher realizada e considera mais do que tudo essa cidade mágica.
“Dona Filhinha Orselli dava aulas de bordado. Nas primeiras aulas ela ensinava ponto haste, ponto cadeia… depois, quando já estávamos mais práticas, vinha o ponto sombra, ponto cheio e rechilieu, que era o mais difícil… As mães e as avós faziam bonecas de pano para a gente brincar. Mamãe me ensinou a costurar na máquina e eu fazia muitos vestidinhos de boneca e até roupas para mim.”
Neide Palumbo – Livro: “São Sebastião do meu tempo de menina”
Curiosidades:
O barro é um elemento natural. Ele funciona como um pára raio para captar energia. E para doar também. O barro tem uma função terapêutica, como um elemento precioso, que vem sendo usado para tratamento de pessoas com depressão. Em São Sebastião, foi préaprovado pela Petrobrás o projeto “A terapêutica da natureza através do barro”, implantando em set/2009 na APAE, com 129 alunos.
Para encontrar o barro, é preciso atravessar uma camada de vegetação, outra de raízes, outra camada arenosa, e aí sim, vem o barro que pode ser de três a quatro tipos, que são próprios para a fabricação de utensílios.
O barro e os índios
O barro e os índios – há muitos séculos, os indígenas dominam muito bem o trabalho delicado com o barro. Usavam ornamentadas urnas de cerâmica nos seus cultos funerários, inclusive algumas de tamanho considerável, destinadas a guardar ossos humanos.
Argila
Formada pela alteração de certas rochas, a argila pode ser encontrada próxima de rios, muitas vezes formando barrancos nas margens. Apresenta-se nas cores branca e vermelha. No solo a fração de argila, componente comum das lamas ou barro, como são conhecidos popularmente, é constituída de minerais desse grupo das argilas aos quais agregam-se hidróxidos coloidais floculados e diversos outros componentes cristalinos ou amorfos.
Fonte: Wikipédia
Tipos de argila
Argila branca – normalmente utilizada para pintura.
Argila cinza – é forte e ótima para escultura.
Argila amarela misturada com a argila vermelha – própria para a confecção da panela de barro.
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