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U2 – The Joshua Tree

Capa do Álbum The Joshua Tree U2 – Fotos: Divulgação e reprodução

Caros leitores:

A ideia de criar a presente coluna me ocorreu quando percebi que, embora eu goste muito de descobrir novos artistas, bandas, álbuns e estilos musicais, alguns álbuns sempre acabam sendo ouvidos novamente, voltando como amigos saudosos que regressam após uma longa viagem. Considero que aqueles que farão parte dessa coluna são meus parceiros de longa data, que vem me acompanhando há décadas, através dos momentos de alegria e tristeza. Sempre estiveram disponíveis, ao meu lado, para celebrar comigo os momentos de felicidade ou me confortar em minha dor nos momentos de sofrimento.

Desta forma, pensei que uma maneira que eu poderia ter de retribuir tantos bons momentos e horas de companhia que tive durante todos esses anos seria fazer uma homenagem, um pequeno tributo, aos meus artistas favoritos e aos álbuns que mais marcaram a minha vida. Os leitores mais atentos notarão que não necessariamente eu escolherei os álbuns mais famosos ou vendidos de cada artista. Algumas vezes isso acontecerá, como é o caso dessa primeira matéria, mas a escolha foi feita por serem aqueles que são especiais para mim, tendo entrado em minha história pessoal de uma maneira muito intensa, fazendo parte da minha formação musical até os dias de hoje.

Adotei alguns critérios para elaborar essa coluna: cada artista terá apenas um álbum selecionado. Iniciarei com uma ficha técnica, citando os músicos envolvidos e as faixas do álbum. Na sequência, descreverei a origem do álbum, de onde e como ele surgiu. Em seguida, farei uma análise detalhada de cada uma das faixas, finalizando com o legado deixado pela obra do artista escolhido. Serão disponibilizados também alguns links no final, para que possam ouvir e ver os artistas em questão.

Desde já alerto os leitores que alguns poderão ficar desapontados por eu ter escolhido um determinado álbum, mas isso é de se esperar. No entanto, tenho esperança de que muitos gostem das minhas escolhas, que poderão ser até mesmo surpreendentes em algumas ocasiões.

Agradeço-lhes por sua atenção e tempo. Convido cada um de vocês a ouvirem o álbum analisado, do início ao fim, após a leitura de cada matéria. Tenho certeza de que o escutarão de uma outra maneira e, quem sabe, eles também venham a lhes acompanhar pelo resto de suas vidas.

Boa viagem!

U2 – THE JOSHUA TREE

FICHA TÉCNICA

ANO DE LANÇAMENTO 1987
PRODUZIDO POR BRIAN ENO & DANIEL LANOIS
MÚSICOS PRINCIPAIS LETRAS DE BONO
MÚSICAS DE U2
BONO – VOZ, GAITA E GUITARRA
THE EDGE – GUITARRA, BACKING VOCALS E PIANO
ADAM CLAYTON – BAIXO
LARRY MULLEN JR – BATERIA E PERCUSSÃO
BRIAN ENO – TECLADOS E BACKING VOCALS
DANIEL LANOIS – TAMBORIM, BACKING VOCALS, OMNICHORD E GUITARRA BASE
THE ARMIN FAMILY – CORDAS (FAIXA 9)
THE ARKLOW SILVER BAND – METAIS (FAIXA 6)

LISTA DE CANÇÕES DO ÁLBUM

1 WHERE THE STREETS HAVE NO NAME
2 I STILL HAVEN´T FOUND WHAT I´M LOOKING FOR
3 WITH OR WITHOUT YOU
4 BULLET THE BLUE SKY
5 RUNNING TO STAND STILL
6 RED HILL MINING TOWN
7 IN GOD´S COUNTRY
8 TRIP THROUGH YOUR WIRES
9 ONE TREE HILL
10 EXIT
11 MOTHERS OF THE DISAPPEARED

ORIGENS DO ÁLBUM – THE JOSHUA TREE U2

Em 1985, durante a tour do quarto álbum do quarteto irlandês, “The Unforgettable Fire”, o U2 já era considerado pela crítica e fãs como a banda mais promissora dos anos 80, atraindo uma grande quantidade de pessoas para suas apresentações em todos os países que visitavam. Ao vivo, o U2 era eletrizante, contagiando as plateias com suas canções vibrantes como “Sunday Bloody Sunday”, “New Year’s Day” e “Pride”. O carisma de Bono, a criatividade e inovações de The Edge, além da competência e solidez de Adam Clayton e Larry Mullen Jr realmente mostrava que eles estavam seguindo o caminho para se tornarem a maior banda de rock do mundo.

O momento que fez com que todo o planeta conhecesse o U2 foi o Live Aid, em 1985, organizado por Bob Geldof, também irlandês e amigo pessoal da banda. Assim como todos os outros artistas, eles tinham 20 minutos para fazerem sua apresentação para todo o mundo. Inicialmente haviam programado tocar três canções: “Sunday Bloody Sunday”, “Bad” e “Pride”. No entanto, Bono se entusiasmou tanto durante a execução de “Bad”, tendo incluído nela vários trechos de músicas dos Rolling Stones (Ruby Tuesday) e Lou Reed (Satellite of Love e Walk on the Wild Side) que acabou perdendo a noção do tempo. Além disso, Bono pulou do palco e foi até a plateia convidar algumas moças para subirem ao palco com ele. Como a canção se estendeu muito, tiveram de finalizar a apresentação com apenas duas canções. O abraço de Bono nas fãs, o pulo do palco até a multidão, a interpretação incendiária da banda e as sensacionais canções escolhidas fizeram com que todo mundo quisesse saber mais sobre aquela banda, que foi considerada a revelação do Live Aid.

Em janeiro de 1986, o U2 começou a trabalhar em seu quinto álbum, que viria a se tornar “The Joshua Tree”. Bono estava fascinado pelos EUA, pois a banda estava habituada a passar de 4 a 5 meses por ano se apresentando por lá. Queria escrever sobre a “América”, não a real, mas a idealizada, do imaginário dos imigrantes, a descrita no sonho de Martin Luther King, que sempre foi um ídolo para a banda, que já havia composto duas canções em sua homenagem: “MLK” e “Pride”.

Foi decidido que a inspiração para o novo álbum seriam os EUA, mas os experimentos sonoros iniciados no trabalho anterior não seriam abandonados, especialmente porque o novo trabalho seria produzido novamente pela dupla Brian Eno e Daniel Lanois, que havia estabelecido uma perfeita sintonia com o U2 e seus anseios musicais no álbum anterior.

Antes mesmo das gravações começarem, a banda decidiu que cada nova canção deveria transportar o ouvinte a um lugar, real ou imaginário, e que o som deles deveria ter uma qualidade cinematográfica, representando desertos, imagens, paisagens sonoras e viagens musicais.

Joshua Tree no Deserto

Dois elementos que influenciaram enormemente o novo trabalho foram a visita que Bono fez à El Salvador, em meio à terrível crise política que viviam com os EUA, e também a Nicarágua, onde o movimento sandinista se tornava cada vez mais forte e influente, chegando a ser considerado como uma ameaça para o governo americano. Bono viu tudo isso de perto e conheceu um outro lado da “América” que desconhecia até então, o do intervencionismo, do fornecimento de armamentos, da guerra, morte e destruição. Essa relação contrastante de amor e raiva pelos EUA foi fundamental para estabelecer a narrativa que seria usada nas novas canções.

Conspiracy f Hope

Outro acontecimento que trouxe grande inspiração e motivação para o U2 foi a participação deles na tour “Conspiracy of Hope”, em 1986, na qual se apresentaram em 6 cidades dos EUA juntamente com outros artistas consagrados, como Peter Gabriel e Sting. Em algumas ocasiões, o U2 fazia a apresentação final, em outras, Sting se reuniu com Andy Summers e Stewart Copeland, de seu extinto grupo “The Police”, para apresentações especiais, nas quais foram a atração final da noite.

Nessa tour, foram discutidos vários temas relativos aos direitos humanos, prisioneiros políticos, guerras, religião e muitos outros tópicos que acabaram surgindo posteriormente nas letras do álbum que estava sendo preparado. Um momento particularmente marcante para o U2 foi quando, na última apresentação, de última hora, Sting pediu que o U2 tocasse depois do The Police, e fechasse a noite, pois ele já sabia que sua banda havia acabado e o U2 seria o sucessor natural deles. Assim, no final da última música do show do The Police, cada um dos integrantes entregou pessoalmente seus próprios instrumentos aos músicos do U2, que fizeram seu show usando os instrumentos do The Police, como se houvesse ocorrido um ritual de passagem entre o passado e o futuro do rock. Esse gesto causou uma forte comoção em todos que estavam na plateia, e entre as duas grandes bandas.

O U2 estava pronto para “The Joshua Tree”. Agora chegara a hora da banda provar que eles mereciam o título de “maior banda do mundo” e entregarem uma obra clássica, que pudesse encantar seus fãs, crítica e todos os que ouvissem o novo álbum.

ANÁLISE DO ÁLBUM “The Joshua Tree” – FAIXA A FAIXA

Where the Streets Have no Name

O álbum começa com um som de teclado hipnótico, crescente, envolvente, que desde a primeira audição cria no ouvinte a expectativa que algo grande e majestoso está se aproximando. Depois vem as guitarras de The Edge com um riff clássico, repleto de efeitos de digital delays, uma de suas marcas registradas. Quando toda a banda começa a tocar junta percebemos que estamos ouvindo realmente uma canção grandiosa, o que só se confirma com a entrada de Bono, cantando uma letra na qual diz que ele quer correr, se libertar do que o prende. É uma canção sobre conseguir se libertar das amarras que nos prendem internamente. É o som de uma banda inovando e criando seu próprio espaço no mundo do rock.

A gravação oficial da canção consumiu praticamente 40% do tempo usado para o registro de todo o álbum, pois eles nunca ficavam satisfeitos com o resultado que estavam obtendo. Em um determinado momento, o produtor Brian Eno quase apagou as fitas originais, para que a banda começasse tudo de novo, do zero, pois achava que havia problemas demais na gravação original, que eram insanáveis. Felizmente, um dos engenheiros de som no estúdio impediu que isso acontecesse.

A canção foi composta originalmente por The Edge, que gravou sozinho em seu estúdio caseiro uma fita demo com os teclados, guitarras e bateria, criando um guia para a o resto da banda sobre como ela soaria com todos os instrumentos. Ele imaginou qual seria uma canção que ele gostaria de ouvir ao vivo, que eletrizasse a plateia, que fosse a melhor que o U2 já havia composto até então. Ao concluir sua gravação, teve a certeza de que havia composto a melhor canção de sua vida, com as melhores guitarras e que, posteriormente, se tornou épica ao vivo, quando abriu os shows da tour de “The Joshua Tree”. Até hoje é executada em praticamente todas as apresentações da banda e é sempre um dos pontos altos e mais aguardados em todos os shows.

Os produtores Brian Eno e Daniel Lanois

I Still Haven´t Found What I´m Looking For

É uma canção espiritual, com raízes na música gospel, na qual Bono interpreta a letra da canção com muita emoção e intensidade. O tema é o da dúvida espiritual, da busca incessante por algo, mas nunca conseguindo encontrar o que se procura, criando uma angústia incessante.

The Edge criou o título e Bono o tema da canção, que poderia ser definido como um hino de fé e dúvida em sua capacidade em encontrar o seu próprio caminho. De uma certa forma, ela nos remete à canção de George Harrison “My Sweet Lord”, que também mostra uma busca espiritual por Deus, tentando uma aproximação com a divindade suprema.

Em 1988, o U2 gravou uma versão com um coral negro de música gospel, denotando ainda mais suas raízes religiosas nesse novo registro. As cenas da gravação em uma igreja no Harlem em Nova York posteriormente foram usadas no documentário “Rattle and Hum”, além de uma gravação ao vivo realizada no show da banda, que foi incluída no álbum do mesmo nome.

With or Without You

Um dos maiores clássicos da banda. Musicalmente, a canção nasceu através dos experimentos de The Edge com um equipamento musical inventado pelo músico canadense Michael Brook, chamado “Infinite Guitar” que, como já está explicado no próprio nome do instrumento, produz sons infinitos de guitarra, que foram amplamente usados na gravação.

Bono se sentia dividido entre ser leal e dedicado à banda ou à sua esposa e família. Se por um lado ele queria passar mais tempo com ela e seus familiares, por outro ele tinha a necessidade de se exprimir artisticamente e investir sua energia e tempo no U2. No entanto, isso lhe gerava uma constante frustração, pois ele nunca estava satisfeito, sempre sentindo que estava deixando algo ou alguém importante para trás. Na letra da canção ele conta que não consegue viver com ou sem você, seja quem for. Talvez sua esposa, ou até mesmo a banda.

Essa dicotomia e tensão são constantes nessa que, no fundo, é uma canção de amor muito emotiva, que gera uma enorme empatia no ouvinte que já esteve envolvido em um caso de amor intenso, repleto de tensão e ansiedades, comuns em relacionamentos sérios e longos. No final, Bono desiste e se entrega, nos presenteando com uma das mais lindas obras de toda a carreira do U2.

Bullet the Blue Sky

Uma das canções mais intensas do álbum. Muito pesada, com uma bateria dominante de Larry Mullen Jr. e um baixo hipnótico de Adam Clayton. É impossível que o ouvinte fique indiferente à essa faixa essencial de “The Joshua Tree”.

Surgiu das lembranças de Bono em suas viagens pela Nicarágua e El Salvador em 1985, na qual viu aviões do governo bombardeando vilarejos, pessoas morrendo, explosões, medo, raiva, tudo isso misturado com um ódio pela política externa dos EUA durante o governo de Ronald Reagan.

A letra coloca lado a lado o que há de pior na “América”, como a Ku Klux Kan, com o que há de melhor, como o som do saxofone de John Coltrane. Os EUA são um país de enormes contrastes e, particularmente durante a década de 1980, seus vizinhos da América Central sofreram enormemente com sua política intervencionista.

Revoltado com tudo que presenciou, ao encontrar a banda para a gravação desta canção, Bono pediu ao The Edge: “Coloque El Salvador e a Nicarágua através de seu amplificador”. O guitarrista conseguiu captar a essência do que o vocalista queria e fez um solo magistral, no qual, se fecharmos os olhos, podemos ver os aviões passando por nossas cabeças, as bombas caindo, explosões, sirenes de ambulância passando, enfim, uma verdadeira overdose de imagens de guerra e violência, todas exibidas ao mesmo tempo, deixando um rastro de medo até o final. “Lá fora é a América”, sussurra Bono. Mas não é aquela dos sonhos, e sim, a real. Excepcional.

Running to Stand Still

Depois da faixa anterior, avassaladora, as coisas parecem se acalmar na faixa seguinte. No entanto, essa primeira impressão é enganadora. O medo e a tensão persistem. Só que agora o tema é o vício em drogas, particularmente em heroína.

Sem dúvida, a melhor letra do álbum. Bono estava inspiradíssimo quando compôs esse trágico relato de uma mulher viciada em heroína. O título da canção surgiu quando ele foi visitar seu irmão em Dublin, que possuía uma pequena loja comercial. Ao indagar o irmão como estavam indo os negócios, a resposta que teve foi: “Estou correndo para permanecer parado”. Essa frase tocou Bono, que a anotou imediatamente para não a esquecer. Ao retornar ao estúdio, começou a escrever uma letra com a frase dita pelo irmão. Em um momento de pura poesia, conseguiu contar o sofrimento dos viciados em drogas que habitavam as “Sete Torres de Ballymun”, mencionadas na letra da canção. Esse era um local de tráfico de drogas na cidade de Dublin, bem próximo de onde Bono nasceu e foi criado. Ele se lembrou dos junkies injetando heroína nos corredores das torres e de um casal que mensalmente fazia viagens relâmpago para Amsterdã a fim de transportar drogas, ganhando algum dinheiro com isso, para poderem bancar seu vício.

Musicalmente, a melodia surgiu de um improviso que The Edge fez ao piano enquanto a banda estava ocupada com outras atividades. Quando eles chegaram ao estúdio, ficaram encantados com a canção e adicionaram o baixo e a discreta percussão que completa o tema.

Na letra de Bono, só há uma saída das torres de Ballymun: a heroína, que também destruiu seu amigo Phil Lynott, baixista e vocalista da banda Thin Lizzy. A letra da canção não é um ataque frontal às drogas, mas sim, uma mensagem de compaixão e carinho aos que sucumbiram ao poder da mais perigosa das drogas, relatando o sofrimento pelo qual passam a fim de tentar manterem seu vício, tentando encontrar uma saída, seja ela através do abandono da droga ou da agulha diretamente na veia. Bono se recusa a julgar, oferecendo apenas compaixão e solidariedade à personagem da canção. Certamente, uma das faixas mais poéticas, marcantes e importantes de “The Joshua Tree”.

Torres de Ballymun

Red Hill Mining Town

O tema aqui é a decisão de Margaret Thatcher, que então ocupava o cargo de Primeiro Ministro do Reino Unido, em fechar as minas que não eram economicamente rentáveis em seu país. Tal decisão gerou uma enorme greve dos mineiros, na qual lutaram arduamente contra a decisão governamental.

Bono escreveu sobre o sofrimento daqueles que perderam seus empregos e, por tal razão, não teriam mais como manter suas famílias, com muitos filhos ainda pequenos. Relata como os relacionamentos se deterioraram sob a pressão da greve dos mineiros e das dificuldades financeiras causadas pelo fechamento das minas e o grande número de desempregados por tal decisão. As garrafas ficam vazias e nosso amor esfria, relata Bono na canção.

Red Hill Mining Town havia sido escolhida para ser um dos singles do álbum. No entanto, durante os ensaios para a tour, o vocalista teve grande dificuldade em cantar a canção, que atinge notas muito altas e demanda muito de sua voz. Por esse motivo, o plano de lançamento do single foi abortado e a canção nunca foi executada ao vivo pelo U2 por décadas. Somente na tour comemorativa dos 30 anos do lançamento do álbum, em 2017, é que o U2 tocou a canção ao vivo pela primeira vez, com um arranjo completamente diferente, em outro tom, no qual Bono conseguiu cantar a canção de maneira que não exigisse demais dele.  

In God´s Country

Sem dúvida, na letra os EUA são “o país de Deus”. Bono estava tentando expressar seu desconforto com a “América”, como já havia relatado em “Bullet the Blue Sky”. Aqui, ele está mais resignado, aceitando a dificuldade em mudar todo o lado negativo do país que acolheu o U2 de braços abertos. Há claramente uma relação de amor e ódio, na qual ele pinta os EUA como “a rosa do deserto”, que encanta e o atrai como se fosse uma sereia. Há também a figura do deserto, presente na capa do álbum, que foi um tema que trouxe muita inspiração à banda, como uma imagem mental, uma tela em branco, na qual poderiam expressar seus sentimentos e preocupações, usando seus instrumentos para pintarem uma paisagem no deserto.

Musicalmente, The Edge contou que a banda procurava músicas mais rápidas e agitadas, para contrastar um pouco com o clima mais sombrio e lento da maioria das canções do álbum. Assim surgiu uma das faixas mais “fáceis” de ser ouvida do álbum, porém, não menos importante ou inspirada.

Trip Through Your Wires

Uma das canções mais “simples” do álbum. Surgiu de um improviso no estúdio, quando a banda começou a tocar junta e os produtores gravaram o que eles estavam criando espontaneamente no momento.

Em relação à letra, Bono explicou que foi baseada em várias conversas de telefone que teve com uma mulher, que teria lhe ajudado em momentos de dificuldade e baixa autoestima. No entanto, com o passar do tempo, ele acabou percebendo que toda aquela imagem que a dita pessoa transmitia não era real e ela o havia enganado durante todo o tempo. Há um sentimento de decepção, uma desilusão com algo que parecia ser muito promissor.

Bono questiona se ela é um anjo ou o demônio, pois ele tinha sede e ela simplesmente molhou os seus lábios. Seria a canção um discreto relato de alguma aventura extraconjugal do vocalista do U2? Nunca saberemos a resposta.

One Tree Hill

Quando o U2 estava em tour em 1985 pela Nova Zelândia eles conheceram um rapaz chamado Greg Carroll. A banda e seu empresário nunca haviam visto um assistente de palco com tanta energia e desenvoltura. Decidiram chamá-lo para ajudar a banda nos shows que ocorreriam na Austrália.

Na primeira noite em que o U2 passou na Nova Zelândia, Greg levou Bono para conhecer One Tree Hill, que é a mais alta das cinco ilhas vulcânicas que formam a cidade de Auckland.

Encerrada a tour, Greg havia se dado tão bem com a banda, particularmente com Bono e Larry, que eles o convidaram para se mudar para a Irlanda para trabalhar com eles.

Em pouco tempo, o rapaz se tornou praticamente um irmão para Bono e fez uma profunda amizade com todos da banda e da equipe do U2. Passou a trabalhar como assistente do vocalista, tratando de todos os afazeres do cotidiano da banda.

Em uma noite chuvosa, Bono pediu que Greg levasse sua moto para casa, pois ele e a banda provavelmente passariam a noite inteira gravando no estúdio. Durante o trajeto, infelizmente Greg sofreu um trágico acidente, morrendo instantaneamente.

Ao receber a notícia, a banda e a equipe do U2 ficou completamente arrasada, pois Greg era muito querido por todos. O mais afetado foi Bono, que havia perdido sua mãe muito cedo e, agora, um grande amigo que havia se tornado seu melhor amigo. Para piorar a situação, o rapaz morrera fazendo um favor para o vocalista.

A banda decidiu compor uma canção em sua homenagem, que se transformou em “One Tree Hill”, um lugar que é um símbolo da Nova Zelândia, no qual Bono passou momentos de muita alegria com seu amigo Maori (nativo indígena do país).

Bono, Larry e suas respectivas esposas viajaram para a Nova Zelândia para o enterro de Greg Carroll, seguindo as tradições Maori, em sua tribo de origem.

Na letra, Bono faz uma sincera homenagem ao falecido, celebrando sua vida, dizendo que eles se verão novamente “quando as estrelas caírem do céu”, e que todos nós” corremos com um rio, em direção ao mar”. Todas as almas se encaminham para Deus.

Essa canção é tão forte e emocionante que Bono evitava ao máximo cantá-la ao vivo nos shows do U2, pois era muito difícil para ele segurar as lágrimas e conseguir dar prosseguimento ao show após cantá-la. Por essa razão, ela foi executada pouquíssimas vezes durante a tour de lançamento do álbum “The Joshua Tree”, só passando a ser incluída regularmente no setlist da banda na tour seguinte, “Lovetown”, em 1989 e 1990, quando foi executada durante todos os shows realizados na Oceania e Ásia, além de alguns shows na Europa também.

A banda passou muito tempo sem executar a canção ao vivo, justamente por seu forte conteúdo emotivo para todos da banda. Só retornou ao setlist dos shows da banda em 2006, além de ter sido executada em todos os shows da tour comemorativa de 30 anos de lançamento de “The Joshua Tree”, em 2017 e em 2020.

Exit

Surgiu de uma jam session da banda. Adam Clayton e Larry Mullen Jr. começaram a improvisar a base da canção. Logo foram acompanhados por The Edge, que entrou no clima sombrio da canção. Foi gravada no último dia das sessões para o álbum.

É uma faixa assustadora, tensa, na qual Bono descreve um homem que está prestes a cometer um ato violento. Não fica claro se é contra ele mesmo (um suicídio) ou contra outra pessoa (um assassinato). A pulsação constante do baixo e bateria simulam o batimento cardíaco do indivíduo, profundamente perturbado.

Provavelmente é uma pessoa para qual o “sonho americano” acabou se transformando em um pesadelo. O U2 nunca havia composto nada parecido. A maioria de suas canções são otimistas, com mensagens positivas. Aqui não há mais esperança, apenas desespero. Há um clima muito pesado, pronto para explodir a qualquer instante, o que acaba acontecendo durante a canção, quando o ato violento é acontece.

A sensação que temos ao ouvi-la é que a banda talvez estivesse exorcizando seus demônios, deixando que as trevas dominassem essa faixa ameaçadora, no entanto, magnética. Uma das melhores e mais impactantes toda vez que foi executada ao vivo. A plateia sempre ficava hipnotizada e eletrizada quando ela surgia nas apresentações da tour.

Mothers of the Disappeared

A última faixa do álbum é um tributo ao sofrimento das mães dos desaparecidos em vários em El Salvador, no Chile e na Argentina, durante as ditaduras enfrentadas pelo povo desse países nos anos 1970 e 1980.

Inspirada pela tour “Conspiracy of Hope” em 1986, da qual o U2 participou, apoiando a ONG “Anistia Internacional”. Durante o período da tour, tiveram contato com mães que haviam tido seus filhos tomados por esquadrões da morte em vários países da América Latina. Esses homens e mulheres nunca mais foram vistos, havendo desaparecido para sempre.

Bono ficou chocado ao ouvir tais relatos diretamente das mães que encontrou e decidiu que escreveria uma canção sobre o tema, dando voz ao lamento e choro materno daquelas que nunca mais puderam abraçar seus filhos, levados delas no meio da escuridão da noite. Na letra, ele testemunha a dor sentida pelas mães, colocando todo a tristeza e desespero delas em sua voz.

Assim se encerra esse magnífico trabalho do U2.

LEGADO DO “THE JOSHUA TREE”

Após o lançamento do álbum, o U2 iniciou uma longa tour pelos EUA e Canadá, seguida da Europa e, novamente, pelos EUA. Instantaneamente o lançamento do novo trabalho do U2 foi reconhecido, se tornando líder de vendas rapidamente em vários países do mundo.

Os três primeiros singles lançados do álbum (“With or Without You”, “I Still Haven´t Found What I´m Looking For” e “Where the Streets Have no Name”) foram todos massivamente executados nas rádios e se tornaram novos chamarizes para as multidões que compraram ingressos para verem ao vivo aquela que acabara de se tornar a maior banda do mundo.

Pela quarta vez na história, uma banda apareceu na capa da revista Time. Anteriormente, apenas os Beatles, The Band e o The Who haviam recebido tal tratamento especial. Agora chegara a vez do U2.

A crítica musical especializada, de uma maneira geral, elogiou muito o novo trabalho deles, pois eles conseguiram mesclar os experimentos sonoros e texturas atmosféricas do álbum anterior, “The Unforgettable Fire”, com músicas mais agressivas, no estilo do terceiro álbum do U2, o também clássico “War”.

Na véspera da sessão de fotos para o novo trabalho, o fotógrafo holandês Anton Corbijn sugeriu que as árvores conhecidas como “Joshua Trees” fossem usadas na capa. Ao notar a simbologia da árvore, que nasce no deserto e busca água nas profundezas do solo para sobreviver e florescer, Bono sugeriu que o álbum fosse chamado “The Joshua Tree”. No dia seguinte, ao encontrarem uma árvore totalmente sozinha e isolada, tiveram a certeza de que haviam encontrado a protagonista da capa do álbum e que também lhe emprestaria o seu nome.

Durante a sessão de fotos no meio do deserto, em Zabriskie Point, no Vale da Morte, a banda adotou um visual definido por eles como “imigrantes europeus deslocados chegando ao deserto”. Mantiveram tal visual durante todos os vídeos, shows e aparições públicas na época. Assim como as tours anteriores do U2, a que promoveu o lançamento do novo trabalho da banda foi uma produção minimalista e austera, usando apenas um cenário com a silhueta da “Joshua Tree”, que serviu de fundo do palco em todos os shows da tour original.

Em 1988 o U2 ganhou dois prêmios Grammy. Um pelo álbum do ano de 1987 e o outro por ter sido eleito pela melhor Performance de Rock por um grupo com vocal.

Um fato curioso ocorreu quando a banda oficialmente se tornou a número 1 da parada dos EUA. Eles estavam em Las Vegas e foram convidados para assistirem à um show de Frank Sinatra.

O veteraníssimo cantor, durante sua apresentação, disse à plateia que queria os apresentar aos artistas que estavam no topo da parada do país naquele momento. Chamou o U2, que se levantou de sua mesa, e pediu que todos lhes dessem uma salva de palmas. A banda agradeceu, constrangida pela atenção inesperada, e ficou ainda mais embaraçada quando Sinatra disse a eles: “Vocês podem ser o número 1 das paradas, mas não gastaram sequer um centavo em suas roupas!”, o que fez com que todos os presentes caíssem em gargalhadas, incluindo a própria banda. Após o show, Frank Sinatra os recebeu no camarim, no qual ficaram conversando sobre música por horas. O veterano cantor adorou os irlandeses e estabeleceu uma grande amizade com eles, tanto que pouco tempo depois convidou Bono para gravar com ele em seu álbum de duetos, no qual Bono interpretou “I´ve Got You Under My Skin” com seu ídolo, conhecido como “Velhos Olhos Azuis”.

Bono e Frank Sinatra

O sucesso total gerado pelo álbum “The Joshua Tree” fez com que o U2 passasse a fazer parte das maiores bandas da história, como os Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin, Queen, Pink Floyd e algumas outras.

Os shows ficavam sempre lotados e as vendas apenas deste álbum totalizaram 25 milhões de cópias, tornando-o um dos mais vendidos da história da música.

Em 2014, “The Joshua Tree” foi escolhido para o Hall da Fama do Grammy dos EUA por ter se tornado “parte de nossa história cultural, social e musical”. Além disso, no mesmo ano o álbum também foi selecionado para ser preservado na Biblioteca do Congresso dos EUA por ter sido considerado “culturalmente, historicamente e esteticamente significativo”. É a única obra irlandesa que recebeu tal honra.

“The Joshua Tree” é muito mais do que um álbum, é um monumento à obra dos grandes músicos irlandeses que conseguiram conquistar o mundo com seu talento, carisma e criatividade. O U2 conseguiu fazer muitos outros álbuns de sucesso depois desse, mas nenhum deles foi capaz de superar o legado daquele é verdadeiramente um clássico eterno.

Ao longo das mais de três décadas que se passaram desde o lançamento do álbum, praticamente todos os diversos caminhos seguidos pela banda, de uma certa forma, tem sido uma reação ao sucesso e legado do “The Joshua Tree”.

Palco Joshua Tree – Tour 2017

Em 2017, o U2 decidiu fazer uma tour comemorativa aos 30 anos de lançamento do álbum. Desta vez, além dos países que haviam visitado na tour original em 1987, incluíram uma festejada passagem pela América Latina, que não tivera a oportunidade de vê-los ao vivo 30 anos antes. Visitaram o México, Colômbia, Argentina, Chile e Brasil, onde fizeram pela primeira vez em sua carreira, 4 apresentações em uma mesma cidade, em São Paulo.

Eu tive o privilégio de assisti-los na noite final em São Paulo em 2017, que também foi a última da tour naquele ano, pois ela foi retomada apenas em novembro de 2019, quando a concluíram fazendo apresentações na Oceania e Ásia. O clima na plateia em São Paulo foi de total celebração e alegria, contagiando os músicos, que fizeram uma apresentação inesquecível, com direito a uma participação especial de Daniel Lanois, um dos produtores do álbum, na faixa “Mothers of the Disappeared”.

Até hoje “The Joshua Tree” é um marco na carreira do U2, uma espécie de farol guia, iluminando as novas aventuras e experiências musicais da banda, os encaminhando para descobrirem novas paisagens sonoras em lugares inexplorados.

Bono, The Edge, Adam Clayton e Larry Mullen Jr. sabem que sempre poderão olhar para trás e se orgulharem de terem concebido uma obra prima imortal.

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BIBLIOGRAFIA:
U2 by U2 – Bono, The Edge, Adam Clayton, Larry Mullen Jr.
U2 – The stories behind the songs – Niall Stokes
U2 – A Diary – Matt McGee
DVD – Classic Albums – U2 – The Joshua Tree
Wikipedia

Links para saber, ouvir e curtir mais.

Marco Andre Briones

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