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AUVERS SUR OISE – Seguindo os passos de Van Gogh

Paisagem de Auvers Sur Oise – Quadro Van Gogh

O caminho para Auvers Sur Oise

É comum as cidades e vilarejos marcarem a vida daqueles que nela residem, ainda que temporariamente. No entanto, em alguns casos excepcionais, são pessoas que imortalizam uma determinada localidade, por sua presença significativa e pelas marcas que deixou ao partir. Esse é exatamente o caso da pequena Auvers Sur Oise, situada a pouco mais de 30 km ao noroeste de Paris. Até os dias de hoje a charmosa e pitoresca cidade é associada à figura de um dos maiores pintores da história: o genial holandês Vincent Van Gogh.

Foi em Auvers, localizada à beira do rio Oise, que Van Gogh passou os seus 70 últimos dias de vida, tendo lá morrido após uma tentativa falha de suicídio, na qual o grande mestre veio a falecer após dois dias sofrendo em seu leito de morte.

Durante sua curtíssima estadia, o genial flamengo produziu suas obras de forma frenética e incessante, como se soubesse que o fim era próximo e quisesse deixar o maior legado possível à humanidade antes de partir dessa vida. Nesse breve período, ele criou nada menos do que 80 quadros e 64 esboços, ou seja, mais de dois trabalhos a cada dia, sendo que muitas delas são consideradas atualmente obras primas, entre as melhores que pintou em sua curta e brilhante carreira.

Antes de chegar à Auvers Sur Oise, no dia 20 de maio de 1890, Van Gogh havia residido por um período no sul da França, em Arles. Embora o período vivido em Arles tenha lhe proporcionado a criação de grandes obras, foi lá que o holandês vivenciou um dos episódios mais dramáticos de sua vida, quando após ter uma séria discussão com seu amigo e parceiro de pintura Gauguin, Van Gogh cortou uma de suas orelhas em um aparente ataque de fúria ou epilético.

Assustado com o que fizera contra si mesmo, o pintor holandês pediu para ser internado no asilo e hospício de Saint Paul de Mausole, no vilarejo de Saint Rémy de Provence, no qual permaneceu voluntariamente durante um ano. Nesse local, ele teve várias crises epiléticas, mas, gradativamente, foi se recuperando, tendo continuado pintando durante toda sua estadia. Após um ano internado, Van Gogh pediu para que seu querido irmão Theo preparasse sua saída, pois não suportava mais viver em meio aos loucos do hospício e estava buscando um lugar tranquilo e silencioso para poder pintar seus quadros.

Theo Van Gogh foi a pessoa mais marcante na vida de Vincent Van Gogh. Seu irmão sempre o apoiou emocionalmente e financeiramente, pois trabalhava em uma galeria de arte em Montmartre, em Paris e enviava mensalmente uma quantia de 150 francos, com os quais Vincent se mantinha de forma precária, levando uma vida muito simples, cheia de privações. Tal apoio monetário era fundamental para Van Gogh, pois ele conseguiu vender apenas um quadro durante toda a sua vida.

O vínculo afetivo entre os dois era muito forte. Como sabia que Vincent não suportaria viver em Paris, devido à agitação da cidade e a sua doença, Theo tentou encontrar uma solução. Ele pediu que Pisarro, outro grande pintor, hospedasse Vincent em sua casa em Eragny Sur Ept. No entanto, Pisarro não pode atender o pedido de Theo, pois Vincent nessa época já tinha uma reputação de louco perigoso, e esse temia que o holandês pudesse machucar sua esposa ou algum de seus seis filhos.

Marguerite Gachet no jardim de sua casa – Quadro Van Gogh

Como também gostava muito de Vincent, Pisarro entrou em contato com um renomado médico parisiense chamado Dr Gachet, que era viúvo e tinha dois filhos criados por uma governanta, uma filha chamada Marguerite e um filho chamado Paul. O Dr Gachet possuía uma casa de campo em Auvers Sur Oise, a qual frequentava três vezes por semana. Desta forma, Pisarro sugeriu que Theo preparasse uma carta de apresentação para Vincent, que veio visitá-lo em Paris por três dias, para que ele entregasse ao Dr Gachet em Auvers Sur Oise. Havia a esperança de que o médico pudesse ajudar Vincent em seu tratamento contra a epilepsia e até mesmo o auxiliasse a encontrar um lugar para passar uma temporada pois, inicialmente, Vincent iria apenas ficar alguns dias na cidade. Ninguém jamais imaginava que aquele seria o último local onde o mestre holandês iria morar e no qual viria a falecer.

Vincent se apresentou ao Dr Gachet assim que chegou à Auvers, tendo em mãos uma carta preparada por seu irmão Theo. Dr Gachet foi muito receptivo e atencioso com Van Gogh, pois ele era um amante da pintura impressionista, sendo ele mesmo um pintor em seu tempo vago, adotando o nome artístico de “Van Hyssel”, claramente inspirado pelos mestres flamengos.

O Dr Gachet examinou Vincent e o aconselhou que pintasse incessantemente para evitar o retorno de suas crises epiléticas. O ideal seria que ele se mantivesse ocupado o tempo todo. Infelizmente o médico não pode hospedar Van Gogh em sua casa, mas lhe recomendou um albergue próximo à sua residência que cobrava 6 francos por dia. Van Gogh achou o valor muito caro e acabou encontrando outro albergue, bem em frente à prefeitura de Auvers, chamado Auberge Ravoux, no qual acabou se estabelecendo por 3,5 francos ao dia, com direito à 3 refeições, vivendo em um quarto no último andar, sem janelas, apenas com uma pequena claraboia. Seu quarto possuía apenas uma cama, uma cadeira e suas obras cobrindo todas as paredes. Foi nesse local que o grande Van Gogh passou os últimos dias de sua vida e veio a falecer.

A rotina de vida de Van Gogh em Auvers

O artista aproveitava os seus dias ao máximo. Se levantava às 6h e se deitava para dormir às 9h.

Além de pintar muito, também escrevia cartas diariamente para o seu irmão, Théo, em Paris. Em sua correspondência, contava o que havia pintado, relatava suas impressões sobre a cidade e seus habitantes. Foi graças a tais cartas que os pesquisadores conseguiram resgatar e compreender vários aspectos da vida e do trabalho do artista

Aos domingos, almoçava na casa do Dr Gachet, sendo que algumas vezes retornava às segundas ou terças para concluir alguma obra que havia iniciado no domingo anterior.

Vincent se sentia um inútil por precisar de ajuda financeira constante de seu irmão para se manter ativo artisticamente. Tal sentimento só foi se acentuando com o passar do tempo. Seu estado de espírito só piorou quando ficou sabendo que seu irmão também estava passando por problemas financeiros, que significariam uma dificuldade ainda maior em mantê-lo em Auvers. Van Gogh tinha uma vida que beirava a pobreza, pois se mantinha com café, tabaco e absinto que, na época, tinha a reputação de ser uma bebida que levava os que a bebiam à loucura.

No dia 27 de julho de 1890, Van Gogh deixo o Auberge Ravoux após o almoço. Não retornou para o jantar e, ao finalmente chegar, entrou de cabeça baixa e se refugiou imediatamente em seu quarto. Ao verificar o que estava acontecendo com seu hóspede, o proprietário do estabelecimento encontrou Van Gogh na cama, deitado e ferido com um disparo de uma pistola que ele havia encontrado em uma gaveta no piso térreo do albergue. O Dr Gachet foi imediatamente contatado e veio visitar seu amigo e paciente. Constatou que seria impossível transportar Vincent para o hospital mais próximo para uma intervenção. O irmão de Vincent, Théo, foi contatado através de uma carta que foi entregue logo na tarde seguinte. Ele veio até Auvers e ficou ao lado de seu irmão até o seu último instante, quando Van Gogh faleceu às 1:30h do dia 29 de julho.

Arma Usada por Van Gogh para se suicidar. Foto Charles Platiau

Dois dias após ter atirado em seu próprio peito, Van Gogh morreu nesse quarto nos braços de seu irmão Theo, que havia sido avisado em Paris do estado de saúde terminal de Vincent. As últimas palavras ditas por ele foram: “A tristeza durará para sempre.” A causa de sua morte foi provavelmente devida a uma infecção da bala ainda alojada em seu peito. Após seu falecimento, foi encontrada uma carta no bolso de seu casaco que ainda não havia sido enviada para seu irmão. Nela, Vincent afirma que: “”Bem, meu próprio trabalho, estou arriscando minha vida por ele e minha razão meio que afundou por causa disso – mas está tudo bem…”

Placas Indicativas de Locais de Pintura de Van Gogh. Foto Deb Roskamp

Roteiro Turístico na cidade – Maiores Atrações para seguirmos os passos de Van Gogh

Embora a cidade tenha crescido desde a morte de Van Gogh, ela ainda tem uma população de menos de 7000 pessoas, sendo um lugar de fácil visitação turística a pé. Para aqueles que querem conhecer os lugares mais marcantes da estadia de Van Gogh em Auvers Sur Oise, eu recomendo as seguintes atrações, nesta sequência.

  1. Casa do Dr Gachet
  2. Auberge Ravoux
  3. Igreja Notre Dame de Auvers
  4. Cemitério de Auvers
Retrato Dr. Gachet – Quadro Van Gogh

Casa do Dr Gachet

O passeio pode ser iniciado pela casa do Dr Gachet, que atualmente é um museu. No local podemos ver os quartos onde o médico parisiense tratava o pintor holandês com medicamentos homeopatas, além dos lindos jardins nos quais ambos pintavam juntos, pois o médico se tornou confidente e amigo pessoal de Vincent. Vários quadros famosos de Van Gogh retratam a residência Gachet. Além disso, lá também foi pintada uma das maiores obras da carreira de Van Gogh, o retrato do Dr Gachet que, durante algum tempo, foi o quadro mais valioso do mundo, tendo sido vendido na época por 82,5 milhões de dólares. Quando concluiu a obra, Van Gogh escreveu uma carta para seu irmão Theo lhe contando que havia pintado o Dr Gachet com uma expressão de melancolia, que poderia até mesmo parecer uma careta para aqueles que vissem o quadro.

Auberge Ravoux

Em seguida, podemos caminhar até o Auberge Ravoux, onde o pintor viveu seus últimos dias e morreu no quarto de número 5. Na época, o local era uma hospedaria com um restaurante no piso térreo. Atualmente não existe mais a hospedaria, que foi transformada em um museu privado, mas o restaurante permanece em funcionamento. Os proprietários do estabelecimento servem um cardápio inspirado em pratos que eram servidos na época de Vincent Van Gogh e que, provavelmente, foram saboreados por ele. No andar de cima do Auberge Ravoux, podemos visitar o quarto onde viveu e morreu Van Gogh.

Não são permitidas fotografias dentro do quarto do pintor. Ao subirmos uma escada de madeira podemos imaginar o que Van Gogh sentia ao chegar ao seu quarto ao final de cada dia, após ter concluído várias obras de arte que se tornaram preciosas após sua morte. O quarto é minúsculo, sem janelas, com apenas uma cadeira. A cama onde o pintor faleceu não está mais lá. O proprietário atual do local instalou uma proteção antifurto em uma das paredes na expectativa de que algum museu lhe emprestasse uma obra de Van Gogh pintada em Auvers para exposição, o que não ocorreu até hoje. As paredes nuas acentuam ainda mais a austeridade do ambiente. É incrível imaginá-las cobertas de obras primas que ninguém queria na época e, após a morte de Van Gogh, foram parar nos maiores museus de todo o mundo, inclusive no MASP, em São Paulo. Apenas uma pequena claraboia no teto fornece um pouco de luz ao sombrio ambiente onde Van Gogh viveu seus últimos dias e faleceu. Ele não pintava em seu quarto e, desde sua morte, o espaço nunca mais foi alugado para nenhum outro hóspede, pois há uma superstição francesa que não se deve alugar um quarto onde alguém morreu. Desde 1926 o Auberge Ravoux é conhecido como “Casa de Van Gogh”. Preservado há mais de um século, o quarto é considerado o menor museu do mundo e foi classificado como um monumento histórico em 1985. Sem dúvida, o lugar mais emocionante de toda a visita.

Quarto Van Gogh no Auberge Ravoux – Foto Maison de Van Gogh

O Auberge Ravoux é uma das atrações principais da cidade, pois tem um papel representativo na vida do grande pintor. Atualmente ele se encontra todo restaurado e oferece um pequeno e belo museu que conta a história de Van Gogh em Auvers, incluindo um interessante vídeo de 13 minutos de duração assistido por todos os visitantes. Há também uma loja de presentes e lembranças relativas à obra do grande artista.

Comparativo da Igreja de Auvers – Prefeitura de Auvers Sur Oise

Igreja Notre-Dame-d’Auvers

A igreja principal de Auvers foi imortalizada por Van Gogh, que escolheu pintá-la por um ângulo inusitado, vista por trás. Acabou se tornando um de seus quadros mais famosos.

Atualmente há uma reprodução do quadro de Van Gogh em uma placa explicativa exatamente no local de onde ele teria pintado a obra, para que os visitantes possam ter exatamente a mesma visão que ele teve do local. Além disso, em vários outros locais da cidade há placas informativas contando detalhes sobre as obras de Van Gogh pintadas em locais específicos, tais como na casa do Dr Gachet e nos campos de trigo próximos ao cemitério da cidade.

Se quiser ter a mesma visão que o mestre teve, visite a igreja no início da tarde, para ver as sombras que foram retratadas na pintura. Não deixe de visitar o interior da igreja também, que é linda e faz parte do patrimônio histórico e cultural da cidade.

Cemitério de Auvers

Para finalizar o seu passeio, siga até o cemitério, passando pelos lindos campos de trigo imortalizados nos quadros de Van Gogh, particularmente na obra “Campos de Trigo com corvos”, que podem ser vistos até os dias de hoje.

Ao adentrar o cemitério, logo verá os túmulos dos irmãos Vincent e Théo Van Gogh, enterrados lado a lado e cobertos um manto de ervas trazidas por Paul, filho do Dr Gachet.

Vincent foi enterrado no dia seguinte à sua morte. Théo morreu seis meses depois. Afirma-se que a causa de sua morte foi o desgosto com a partida do querido irmão. Inicialmente ele foi enterrado em Utrecht, na Holanda. 30 anos depois seu corpo foi transferido, a pedido de sua esposa Johanna, até o cemitério de Auvers, para repousar ao lado do irmão que tanto amava.

Um detalhe curioso é que por cima do baixo muro do cemitério podemos ver os lindos campos de trigo retratos por Van Gogh e as belas flores “coquelicot” vermelhas que cobrem tais campos, que serviram de inspiração para seus últimos quadros.

É incrível pensarmos que Van Gogh tenha falecido com apenas 37 anos de idade e, durante pouco mais de uma década de pinturas, tenha conseguido produzir mais de 2100 obras, muitas delas consideradas obras primas, que imortalizaram seu nome no panteão dos maiores artistas da história da humanidade.

Sem dúvida, uma visita que sensibilizará todos aqueles que são amantes das artes e querem conhecer um pouco mais sobre o enigmático e genial mestre holandês que deixou suas cores intensas marcadas na história da pintura: Vincent Van Gogh.

“Eu sonho com a pintura e, então, eu pinto meus sonhos.”

– Vincent van Gogh

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Agradecimentos especiais:

Otávio Gabriel Briones
Thaís Aveiro

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones em agosto de 2014, exceto as indicadas com os nomes de outros fotógrafos.

Bibliografia usada:

Van Gogh – Auvers Sur Oise, de François Mathey
Van Gogh à Saint Rémy et Auvers – 1889-1890, de Uwe M. Schneede
Auvers Sur Oise – Lumière à Peindre, de Patrick Brevet e Régis Molinard
Blog Earth Trippers https://www.earthtrippers.com/auvers-sur-oise/
Artigo Wall Street Journal https://www.wsj.com/articles/a-tour-of-van-goghs-picture-perfect-french-village-1437073199
Blog Listas de Viagem https://listasdeviagem.com/2016/08/25/auvers-sur-oise-seguindo-os-ultimos-passos-de-van-gogh/
Blog Visitas Guiadas em Paris https://blogvisitasguiadasemparis.com/arte/nos-passos-de-vincent-van-gogh-em-auvers-sur-oise/
Blog Collens Paris https://www.colleensparis.com/2010/07/day-trip-to-auvers-sur-oise-an-eternal-village/
Blog Travelling Boy https://travelingboy.com/travel/in-the-path-of-vincent-van-gogh/

Marco André Briones

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