O que caracteriza o lugar de onde você veio? Há uma comida típica? Um ponto turístico pouco conhecido? Um saber próprio? Artesanato, culinária, esporte, alguma celebridade? O que faz a sua região única pra você? Qual é a referência? O que tem feito para preservar essa referência? Já pensou nisso alguma vez?
Continuamos em Minas Gerais, lá pelas bandas de Mariana, cidade do interior do Estado, que ficou famosa a alguns poucos anos por motivos menos nobres: foi palco de um dos maiores desastres ambientais do Brasil. Sobre este acidente, preciso fazer uma ressalva: a cidade histórica de Mariana está intacta e não foi atingida pela lama das mineradoras. Portanto, quem ainda não conhece a Primaz de Minas e quiser dar um pulo por lá, garanto que será muito bem recebido e terá coisas lindas para conhecer, incluindo um capítulo importante da nossa História.
Mas a minha conversa aqui é outra. Vou falar de coisa muito séria. Vou falar de assombração. Pra quem não sabe, esta região de Minas Gerais, conhecida como Vale do Ouro, que inclui cidades como Mariana e Ouro Preto é cheia de histórias. E não estou falando só das histórias guardadas nos casarões, museus e ruas de pedras, não! Estou me referindo as histórias que estão na boca do povo de lá a séculos. Pois é! Pessoalmente, considero as lendas dessa região de Minas como sendo referências culturais tão importantes quanto o patrimônio histórico material ou quanto a culinária… A tradição das histórias orais, vem de uma época em que poucas pessoas sabiam ler e escrever, e guarda em seus contos a nossa mitologia (as vezes menos conhecida pelos brasileiros que a Grega ou a Nórdica, que está na moda).
Hoje, então, é dia de contar a história do Caboclo D’Água! Dizem os antigos, que o Caboclo D’Água é um ser travesso, que vive dentro dos rios de Minas Gerais e faz as suas peraltices com os pescadores desde a região do Vale do Ouro até a região do Vale do São Francisco. É por causa dele, que os pescadores colocam em suas embarcações as feiosas carrancas (nem acho tão feias assim), que é pra espantar o bicho de medo. A carranca funciona como um amuleto, um patuá, contra o atrevido. Verdade certa é que se o Caboclo D’Água por um acaso, não for com as fuças de um determinado pescador… ihhh… certeza que ele espanta todos os cardumes próximos do barco desse pescador, iniciando assim um período de puro azar para o pobre coitado!
O Caboclo D’Água, com sua pele cor de cobre, cheio de músculos e dentes pontiagudos, tinhoso como só ele, vive tanto dentro dos rios quanto na terra. É que ele é tipo um réptil, meio parente dos jacarés e crocodilos, só que em corpo de homem. Por isso, ele consegue assombrar tanto fazendeiros, quanto pescadores. Vejam o tamanho do problema!
O povo lá de Mariana, determinados em encerrar as peraltices do Caboclo D’Água, tem duas tarefas a cumprir: uma, achar a caverna cheia de ouro e joias onde ele mora; e outra, é capturar o monstro em pessoa. Quer dizer, em pessoa-monstro-assombração. Sei lá como é que se diz!
O fato é que o pessoal, cansado de ver o gado morrendo sem explicação, criou a Associação de Caçadores de Assombração de Mariana – ACAM. A população, agora organizada, tem arranjado empreitadas para capturar a fera e acabar de uma vez por todas, a onda de prejuízos e mortes. Em uma dessas empreitadas até isca humana usaram pra poder atrair e capturar o maldoso! Mas ele foi mais esperto, e não foi dessa vez que viu o sol por dentro das grades de ferro feitas pelo pessoal da ACAM. As caçadas continuam sendo organizadas. As montanhas de Minas continuam sendo vasculhadas por esse pessoal corajoso e determinado, na esperança de um dia capturarem (vivo ou morto), o famoso Caboclo D’Água.
Toda história tem o seu final feliz. Mesmo as de assombração. Apesar de ainda estar assombrando por aí, a história do Caboclo D’Água tem se mantido viva por gerações, graças a iniciativas de coletivo popular como a ACAM. A preservação do patrimônio imaterial (o saber, as lendas, as histórias, as cantigas, as danças…) é da responsabilidade e interesse de todos nós. É a nossa identidade. Por isso, viva a ACAM, viva a cultura popular brasileira, e viva o Caboclo D’Água!
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