Está em cartaz na Casa das Rosas a exposição “Rock and Roll – Bosco Sodi e os objetos de interesse” — primeira mostra individual do artista mexicano Bosco Sodi no Museu da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, e gerenciado pela Organização Social Poiesis. A mostra internacional, que aborda o impacto da colonização européia nos países das Américas, de Norte a Sul, já recebeu mais de 9.500 pessoas desde sua abertura em 20/03 e pode ser visitada até o dia 23 de junho. A entrada é gratuita.
Conhecido mundialmente pela pesquisa com materiais de origem natural e práticas que resgatam sua ancestralidade, Bosco Sodi reúne cerca de 20 obras, entre pinturas, esculturas e instalações, como “Harmless deception” [engano inofensivo], “The stars are alive” [as estrelas estão vivas], “All we gotta do is surrender” [tudo o que podemos fazer é nos render], que questionam a história das Américas e todo o passado colonial dos continentes.
Os países pertencentes às Américas do Norte, Sul e Central desenvolveram-se à medida que os determinados contextos (geográfico, social, político e econômico) permitiram, mas tiveram em comum um norteador: o sistema colonial europeu. O processo de colonização dessas regiões deixou marcas profundas na sociedade, que reverberam até os dias atuais, como padrões econômicos e políticos que perpetuam a desigualdade social e a discriminação contra os povos originários e de origem africana. Dessa forma, para a exposição “Rock and Roll – Bosco Sodi e os objetos de interesse” o artista utiliza elementos fundamentais para representar os objetos de interesse da exploração e os conflitos que moldaram a colonização do Novo Mundo: terra, café, açúcar, madeira, ouro, tabaco, sangue e sal.
Promover este debate tendo como plano de fundo a história da Casa das Rosas, ícone arquitetônico da época, e a história da avenida Paulista, símbolo de riqueza e da economia cafeeira, é uma forma de reconhecer nosso passado e resgatar as camadas de significado histórico, social e econômico. Justamente pensadas para a ocasião, as obras promovem um diálogo contundente, ou até controverso, com a arquitetura neoclássica da antiga residência, da mesma forma quando realizou a mostra “What goes around, comes around”, na Fondazione dell’Albero d’Oro, em ocasião da Bienal de Veneza, em 2022.
A arquitetura sempre representou um elemento importante para Bosco Sodi, que geralmente desafia a estética que envolve os locais onde trabalha. Em Oaxaca, litoral mexicano, o artista mantém a Casa Wabi, um espaço filantrópico projetado pelo arquiteto japonês Tadao Ando, que incorpora a filosofia japonesa wabi-sabi e prima pela simplicidade e o contato com a natureza. Esse local é berço para a maioria de suas produções e o inspira a explorar os materiais de origem natural.
A argila é o elemento catalisador da mostra, utilizada em quase todas as obras de “Rock and Roll – Bosco Sodi e os objetos de interesse”. Em uma das principais instalações, o artista utilizou o material para produzir dezenas de pequenas esferas, nas quais, não à toa, fincou ramos de rosas. Esses pequenos “bulbos esmaltados de rosas” formam uma grande instalação que ocupa todo o espaço de uma das principais salas do segundo pavimento. Também ocupando uma outra sala, uma grande instalação reúne mais de trinta esferas de argila agrupadas, que remetem à resistência e à sobrevivência das culturas e dos conhecimentos ancestrais. Elas foram todas produzidas à mão e propositalmente assumem a imperfeição do gesto e dos processos de secagem e queima que sofrem. A exposição ainda reúne um conjunto de pinturas em sacas de café brasileiro, a exemplo de uma das séries mais icônicas de Bosco Sodi, onde ele utiliza sacas de armazenamento de pimenta, iguaria tradicional no México. Essas pinturas chamam a atenção pelas tonalidades de verde vivo, mesma cor usada para as pinturas texturizadas de materiais orgânicos. Na mostra, o artista propõe um contraste estético com outras duas obras a partir de rochas naturais. Enquanto uma apresenta as pedras revestidas com ouro, remetendo-se aos objetos preciosos de desejo, outras foram pintadas em vermelho vivo cor de sangue. Uma complementando a outra dentro da história da colonização brasileira.
Bosco Sodi cria um contraponto do processo ao subverter o questionamento sobre os instrumentos de colonização atuais, daí o conceito do Rock como mais um objeto de interesse na exposição. A metodologia do artista espelha a autenticidade e a energia do que produz sob a dualidade libertadora e colonizadora do rock and roll, capturando o espírito do tempo com uma presença e objetividade que desafiam convenções. Todas as obras são intituladas com trechos de canções de rock americanas. O rock hoje exerce um papel fortíssimo como arma de colonização e controle.
O curador Marcello Dantas explica que “o artista propõe ao visitante uma busca por evidências incrustadas na nossa memória coletiva de como as mentes vão sendo colonizadas, desafia a ver além da superfície, a sentir a textura complexa da história e a reconhecer o poder da arte como uma ferramenta para questionar, conectar e curar.”
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