Nas próximas linhas vou lhe apresentar a dança a partir de uma ótica diferente. Quero falar da arte da comunicação não verbal para todos, dar voz à democratização na dança, mas pra isso vou precisar voltar 20 anos no tempo e reencontrar com o meu início na DANÇA EM CADEIRA DE RODAS.
A ideia de criar um grupo de dança para cadeirantes surgiu do desconforto em que me deparei quando ainda estudante do curso de Fisioterapia.
Todos devem saber que em algum momento do curso de graduação, passamos pelo tão esperado estágio e na profissão que escolhi não foi diferente. Nessa ocasião, já era bailarina clássica formada e por mais que minha cabeça “recém-adulta” dissesse adeus ao universo da dança para mergulhar na fisioterapia, minha alma se incomodava com a ausência da música, da barra, dos ensaios e dos traços que o meu corpo pintava quando dançava.
A clínica de reabilitação neurológica me pareceu o cenário perfeito, um lugar cheio de sonhos, necessidades e frio. Não digo sobre a frieza no trato ou no sentido pejorativo da palavra, como disse é um lugar perfeito, mas do meu ponto vista faltava cor, som e objetivos que não fossem os de sempre, adequar o tônus, dissociar cinturas, treinar marcha e… até a próxima sessão.
E se aquelas pessoas que ali estavam pudessem sentir adrenalina de encarar um palco, o cheiro gostoso do figurino novo, o calor da iluminação sobre a pele e mais do que isso, se elas pudessem falar com seus corpos e entendessem as rodas e suas cadeiras como a extensão de um corpo que fala?
E assim encontrei a DANÇA EM CADEIRA DE RODAS e mais importante, foi assim que me encontrei.
Na ocasião, ainda uma aluna, coloquei a ideia a um professor que prontamente me atendeu, e em uma sala de aula nossa história começou. Os pacientes da clínica universitária de reabilitação passaram a praticar a dança semanalmente e foi uma delícia dar sentido aos gestos. Adequar o tônus não era mais só uma questão de necessidade, passou a ser um desejo, algo que brotava com a música e com a adaptação dos exercícios que a dança propõe, passando pelas técnicas da dança clássica e contemporânea, se entendendo como um ser ativo, criando intimidade com a sua cadeira e tudo que ela agora representava, era o momento de “ressignificar” conceitos.
Aqueles meses que se seguiram foram de descobertas e trocas incríveis, mas a minha condição de aluna não duraria para sempre. Formei-me e agora?
Os cinco anos seguintes foram marcados por luta. Sem espaço para desenvolver as atividades, dificuldades com a mobilidade urbana e outros tantos desafios, mas também foi o tempo de luta que amadureceu e nos preparou para os anos que se seguiriam.
Superadas essas e outras tantas dificuldades, fomos à palco pela primeira vez. Ensaios na rua com o som dos carros ligados, falta de acessibilidade, transporte inadequado e muita, muita vontade de estar ali. Nessa ocasião, de 6 cadeirantes, já tínhamos nos tornado um grupo de 65 pessoas.
Já não caminhava sozinha, na verdade nunca caminhei sozinha.
Em 2008 fundamos a ASSOCIAÇÃO SOLIDARIEDANÇA DE ARTE E CULTURA, uma verdadeira fábrica de sonhos, um lugar de possibilidades onde pernas e rodas se misturam e as diferenças desaparecem.
No decorrer desses anos, foram mais de 20 espetáculos apresentados com a casa cheia, festivais, mostras, campeonatos e o mais importante, sonhos resgatados, empregos gerados, projetos aprovados e a certeza de que a dança vale a pena.
Costumo dizer que a dança me levou à fisioterapia, pois foi dando aulas de ballet que pude investir nos meus estudos, e generosamente a Fisioterapia me devolveu à dança, sob um olhar modificado, avançando além das impossibilidades e me apresentando um mundo fantástico através de rodas que dançam.
Texto produzido a partir da entrevista com a bailarina e coreografa, Cintia Lima.
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A colunista Symone Coelho, é nutricionista, formada em Magistério da Dança (ênfase em ballet clássico, flamenco e jazz). Ministra aulas de ballet clássico e flamenco, criação coreográfica, terminologia e história da dança, além de produções artísticas ligadas a dança.
Symone é proprietária da Novare Dance.