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Havana, Cuba – Sonho ou Pesadelo?

Vista Panorâmica de Havana – Fotos: Marco André Briones

Minha viagem para Cuba em setembro de 2010 não foi apenas uma viagem. Foi muito mais do que isso. Eu diria que foi uma experiência de vida na qual tive sensações que nunca tivera antes e, provavelmente, nunca terei novamente.

Foi uma incrível aula de história, política e, sobretudo, humanidade e valores. Ao voltar de Havana eu havia me transformado em outra pessoa. Passei a dar muito mais valor a coisas que normalmente passam desapercebidas pela maioria das pessoas. Conquistas e valores que temos em nossas vidas que em outros lugares do mundo, muito próximos de nós, são inatingíveis ou objeto de sonhos.

Ao regressar a São Paulo, pela primeira vez na minha vida, eu tive vontade de beijar o solo brasileiro e agradecer a Deus por ter nascido aqui, e não em Cuba. Foi um misto de sensação de alívio com alegria, medo e gratidão.

Nas páginas a seguir farei um relato da minha experiência em solo cubano, ao conhecer e visitar sua famosa e polêmica capital: Havana. Desde já deixo claro que não pretendo fazer aqui nenhum discurso político nem apresentar um roteiro turístico. Apresentarei um diário de viagem, pois quero simplesmente relatar o que vi, ouvi, experimentei e senti durante a semana que fiquei em Cuba. Preparei um relato de viagem dividido em 4 partes, que serão postadas uma a uma semanalmente.

Existem basicamente duas maneiras de se conhecer Cuba: a primeira, é a de se ficar hospedado em alguma praia, como Varadero, localidade turística afastada da capital, na qual há apenas hotéis estrelados, nos quais os hóspedes não saem de lá para nada, nem para conhecer Havana, ficando o tempo todo dentro dos resorts, comendo e bebendo do melhor, em um lugar ao qual o povo cubano, extremamente pobre, quase não tem acesso, já que os preços praticados são elevadíssimos.

A outra maneira, que é a que eu escolhi, é a de se ficar hospedado em Havana e visitar os lugares os quais são frequentados pelo povo cubano, para poder conhecer efetivamente como ele vive o seu dia a dia.

Tentarei fazer um relato o mais preciso possível do que aconteceu comigo durante o tempo que passei em Cuba.

Plaza de La Revolución

DIA 1

Embarquei em São Paulo com destino à Cidade do Panamá, na qual fiz conexão para Havana após esperar algumas horas no aeroporto da capital panamenha.

Cheguei em Havana no início da noite. O mais curioso foi que pouco antes de o avião pousar, eu estava ouvindo música em meu Ipod e, coincidentemente, a canção que estava tocando quando o avião pousou em Havana era “This is Not America”, do David Bowie. Realmente aquilo não era a América, pelo menos não a que eu havia conhecido até então.

Outra coisa surpreendente foi que o piloto do avião da Copa Airlines avisou os passageiros que estávamos prestes a pousar. No entanto, eu não conseguia ver nenhuma luz do aeroporto nem da cidade. Tudo absolutamente escuro. De repente, quando o avião estava muito próximo do solo, todas as luzes da pista se acenderam e, assim que o avião acabou de taxiar na pista, todas as luzes foram novamente apagadas. Fiquei sabendo que isso é uma medida de contenção de despesas com eletricidade, que o país não tinha recursos sequer para manter a pista de pouso permanentemente iluminada. Já comecei a me preparar para o pior ao saber disso.

Tomei um susto logo que a porta do avião se abriu pois, aguardando a saída dos passageiros, dentro do “finger” de desembarque, imediatamente junto à saída, havia soldados, armados de metralhadoras e com vários cães farejadores, para farejar cada um dos que desembarcava, a fim de detectar drogas. Graças a Deus, todos os passageiros saíram da aeronave, sem que nenhum deles já fosse preso ali mesmo.

Também me chamou bastante a atenção ver as funcionárias da imigração cubana usando uniformes e meia preta do tipo arrastão. Nunca havia visto uma combinação tão bizarra. A iluminação dentro do aeroporto também era fraquíssima. Só conseguia ver as pessoas com dificuldade, pois o ambiente se encontrava na penumbra.

Como o aeroporto internacional José Martí é relativamente afastado de Havana, durante o meu percurso até a cidade fui observando a grande quantidade de pessoas que havia circulando pelas ruas. No entanto, não havia praticamente nenhuma iluminação pública. Era muito perigoso dirigir por ali, pois os pedestres eram praticamente invisíveis, aparecendo de repente do nada. Vi também muitas casas, todas elas com as luzes apagadas, aparentemente por causa dos apagões frequentes.

Plaza da Revolución com carros dos anos 50

A temperatura local era de 26 graus à noite, o que já me indicava que durante o dia o calor deveria ser muito intenso. Fui jantar naquela que é considerada a melhor lanchonete do país: La Rampa, dentro do Hotel Habana Libre. Comi uma pizza muito simples, feita de massa de pão, com algumas fatias de queijo e presunto. Bebi uma água mineral local, da marca Ciego Montero. Para ser uma das melhores lanchonetes do país, achei tudo muito simples. Notei também que estava praticamente vazia. Fiz uma passagem rápida pelo Hotel Meliá Cohiba apenas para enviar um e-mail aos meus familiares, informando que eu já havia chegado a Cuba, já que não havia qualquer tipo de telefone celular, sem ser pré-pago, disponível na ilha na época em que visitei o país. Até mesmo o acesso a e-mails era extremamente difícil e limitado, apenas para os estrangeiros que podiam pagar por tal serviço, considerado um luxo localmente. A melhor coisa desse hotel foi o delicioso Mojito que bebi em seu bar.

Meu anfitrião me levou até a sua residência, onde fiquei hospedado durante toda a minha estadia em Cuba. Fiquei sabendo que, pelo fato de ser um prédio onde só viviam estrangeiros, tudo era monitorado pelos seguranças do prédio, administrado pelo Estado cubano. O governo cubano monitorava todo o movimento de entrada e saída dos estrangeiros, 24 horas por dia, além de controlar também com quem eles entravam e saíam do prédio. Um dos seguranças ficava na portaria do prédio e o outro na garagem. Eles sequer disfarçavam suas intenções e, todas as vezes que passávamos por eles, nos acenavam e tomavam nota em seus cadernos. Nós também acenávamos de volta. Simplesmente inacreditável.

A última recomendação que recebi foi a de deixar as janelas permanentemente fechadas, pois a dengue estava assolando Cuba, com incontáveis casos de pessoas doentes. Foi necessário usar repelente o tempo todo em que estive no país, além de carregar permanentemente um frasco de álcool gel para higienizar as mãos, pois a grande maioria dos lugares que visitei era muito suja, provavelmente porque não só não havia  recursos financeiros disponíveis para higiene pessoal, mas também porque faltavam, nos supermercados (todos administrados pelo Estado), produtos básicos, como papel higiênico.

DIA 2

No segundo dia eu acordei sob um calor intenso. Saí para passear um pouco e começar a conhecer Havana sob a luz do sol.

Notei que não há bancas de jornais nem livrarias. Durante toda a minha estadia percebi que não vi ninguém lendo nada em lugar algum. Algo muito suspeito para um país cujo governo afirma ter alfabetizado toda sua população. Pouco a pouco, dia a dia, todas esses mitos sobre Cuba foram caindo por terra, um a um.

Os únicos jornais disponíveis nos locais que se apresentavam como “bancas” eram o jornal da Juventude do Partido Comunista e o jornal oficial do governo, chamado Granma, em homenagem ao barco que Fidel Castro e seus companheiros usaram para desembarcar em Cuba e dar início ao processo revolucionário, que os levou ao poder. Tais bancas vendem não só jornais do dia, mas também edições de dias e até semanas passadas, o que me surpreendeu. Então, me explicaram que a principal utilidade de tais publicações, visando a difundir propagandas do governo, exaltando sua importância e realizações, era a de servir de papel higiênico para a população.

Visitei a Plaza de la Revolución, na qual se podem ver enormes murais nas fachadas de edifícios governamentais. O mais chamativo é o que apresenta o rosto de Che Guevara, com o dizer “Hasta la victoria siempre”. Do outro lado da praça, há um mural semelhante, com uma imagem de um dos outros ídolos da Revolução Cubana, Camilo Cienfuegos, portando um chapéu que mais parece a auréola de um santo. Sim, propaganda nada subliminar.

Nessa praça ocorreram os maiores desfiles e discursos da história do país. Toda as paradas militares nas datas nacionais ocorrem ali. Pude visitar o monumento no qual há a estátua do poeta nacional José Martí e as tribunas de honra, na qual ficam sentadas as autoridades. Me sentei exatamente no local onde Fidel Castro se sentou em todas as ocasiões em que esteve ali. Fiquei imaginando o que ele deveria pensar ao se sentar ali e ver toda aquela praça lotada, cheia de bandeiras de Cuba.

Na sequência, visitei o Centro Comercial Flores, um mini shopping center, com lojas muito simples. O calor era sempre muito intenso, entre 34 e 38 graus. Vi artigos à venda que não esperava encontrar por ali, por exemplo, caldo Knorr brasileiro vendido à unidade, pois localmente é considerado uma iguaria disponível apenas para poucos privilegiados.

Depois fui ao Shopping Center Comodoro, também muito simples, no qual fiquei chocado ao ver uma peixaria com peixes e frutos do mar totalmente expostos ao sol e ao calor, sem nenhum tipo de refrigeração.

Conheci o Shopping Center Carlos III, que é do governo cubano, assim como todos os outros. O mais incrível é que, ao invés de encontrarmos propagandas das lojas ou dos produtos à venda, havia propagandas do governo, com o rosto de Fidel ou Che.

Notei que em frente a uma das lojas havia uma fila enorme de pessoas à espera da oportunidade de comprar algo. Me aproximei e perguntei a uma senhora o que ela estava esperando. Era uma fila para comprar lâmpadas frias, uma por pessoa. Tal artigo estava em falta há meses.

Almocei no Hotel NH, no qual comi um hambúrguer com fritas, considerado um prato apenas para os ricos. Bebi o refrigerante local, chamado Tukola, que tem um sabor parecido ao da Pepsi Cola.


Marco André Briones

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