Os primeiros: O Homem do Sambaqui
“As pesquisas arqueológicas desenvolvidas nas últimas décadas no litoral paulista revelam que a ocupação humana mais antiga nesta região foi a dos pescadores-caçadores- coletores, grupos que baseavam sua subsistência principalmente na pesca, na caça de animais de pequeno porte e coleta de moluscos, crustáceos e de vegetais.
Esses grupos deixaram como vestígios de sua ocupação os sambaquis, sítios arqueológicos formados a partir do acúmulo de conchas de moluscos em um mesmo local ao longo de muitos anos. Além das conchas, neles pode ser encontrada grande quantidade de ossos de fauna marinha e terrestre, vestígios de fogueiras, objetos confeccionados em osso, dentes e concha, e artefatos feitos de pedra.
Sepultamentos humanos também são encontrados nos sambaquis, muitos deles adornados com colares e pingentes. Este tipo de sítio arqueológico está presente em quase todo o litoral brasileiro, assentados principalmente em ambientes estuarinos. Estas regiões ofereciam uma imensa variedade de moluscos e crustáceos ao longo de todo ano, que podiam ser obtidos com relativa facilidade por essas populações. No arquipélago de Ilhabela existe pelo menos uma dezena de sambaquis, mais até recentemente nenhum deles havia sido alvo de pesquisas detalhadas.
Entretanto, escavações realizadas recentemente em um sambaqui na região de Furnas resultaram em um achado inédito que nos permitiu reescrever parte da história das primeiras populações que viveram nesta região. Durante as escavações realizadas neste pequeno sambaqui localizado dentro de um abrigo rochoso, foram encontrados além de conchas, ossos de animais e alguns artefatos, um sepultamento humano ainda preservado. Porém, o esqueleto do individuo sepultado estava um pouco deteriorado e fragmentado devido as condições de umidade e a grande quantidade de blocos de pedra que havia sido colocada sobre ele.
Este indivíduo foi sepultado sem nenhum acompanhamento ou adorno, apenas em meio a conchas. Estava em posição fetal, com braços e pernas flexionados, e tinha um bloco de pedra intencionalmente depositado sobre o crânio. Estudos realizados posteriormente em laboratório revelaram informações importantíssimas sobre o modo de vida e as condições de saúde deste indivíduo.
Trata-se de um homem de aproximadamente 45 anos de idade. Seus dentes apresentam desgaste muito acentuado que chega a atingir a raiz, resultado do consumo de alimentos abrasivos e da utilização dos dentes como ferramenta. Apresenta também artrose em alguns ossos devido à idade avançada para as condições da época e possivelmente resultante de esforços por movimentos repetitivos.
Para que fosse possível saber a época em que este homem do sambaqui viveu em Ilhabela, uma amostra do esqueleto foi enviada para um laboratório em Miami, EUA. O resultado da análise revelou que este homem viveu há quase 2000 anos atrás, sendo até agora o mais antigo habitante já conhecido deste arquipélago.
Seus remanescentes sobreviveram ao tempo durante praticamente 2000 anos e agora nos permitem conhecer um pouco mais acerca dessas populações que viveram há tanto tempo neste arquipélago e que desapareceram muito antes da chegada dos colonizadores a essas terras.
Além disso, este achado que compreende o primeiro sepultamento humano retirado em contexto de sítios arqueológicos em Ilhabela, nos permitiu obter também a primeira datação arqueológica para o município, cuja ancestralidade de sua ocupação era anteriormente relacionada à datação de um sítio arqueológico de outro município.”
Fonte: Cintia Bendazzoli