“Vá ralar o coco pra fazer cocada
Vá ralar o coco pra fazer cocada
Cocada branca e cocada escura
Cocada puxa de amendoim
Pra vender no tabuleiro na ladeira do Bonfim
Olha a cocada”.
[Roberta Sá]
Não era nas ladeiras do Bonfim que ele vendia suas cocadas, mas nas ladeiras centenárias mineiras de Mariana e Ouro Preto. Para desespero dos diabéticos, Sr. Sebastião da Circuncisão da Silva, Seu Sebastião, Seu Tião ou simplesmente Seu Cocão, adoçou a vida dos moradores e turistas por décadas, com seus doces enormes e saborosíssimos, cuidadosamente dispostos na sua bandeja branca extremamente limpa e reluzente.
Com seu guarda pó branco, também impecável, continuou subindo e descendo as ladeiras de paralelepípedos e pés de moleque, mesmo depois da viuvez. O pequeno negócio, iniciado ao lado da sua falecida esposa, para além de um ganha pão, se tornou uma atração entre a população local e forasteira, na região dos Inconfidentes. Tudo isso, na minha opinião, se deve especialmente ao carisma, simpatia e elegância do Seu Cocão.
Ele se tornou um patrimônio humano da região. Era conhecido e querido por todos, e recebeu o título de cidadão honorário pela prefeitura municipal da cidade de Ouro Preto. Outra homenagem que recebeu em vida, um pouco mais carnavalesca, foi ter a sua imagem imortalizada em um dos bonecos gigantes do Zé Pereira dos Lacaios. Sim, em Ouro Preto também tem daqueles bonecões como em Olinda! São feitos de modo artesanal e desfilam rodopiando pelas ladeiras de pedra durante o Carnaval, ao som de marchinhas, e acompanhados por foliões não menos animados.
“Você quer sentir emoção? Compre um doce do Tião!”
Sempre com um sorriso cativante no rosto e sua voz grave e educada, cativava os clientes com alegria e nos transportava, para algum lugar do passado através dos seus versos.
Cocada, doce que tem origem incerta, mas que pode muito bem ter sido uma daquelas receitas de família, que cruzaram o oceano Atlântico, na cabeça daqueles que ocuparam os porões dos navios negreiros que cruzaram milhares de vezes a rota África – Brasil, foi muito bem executada pelo Seu Cocão.
O choro “Cocada” escrito por Roque Ferreira e interpretado pela doce voz da sambista Roberta Sá, bem que poderia ter sido feito especialmente para o Seu Cocão. Este choro combina com o chapéu que ele usava, com a elegância de suas roupas, com a cordialidade do seu enredo, e com o sabor das cocadas que vendia.
“É só cocada? Você come e se satisfaz. É o Tião quem faz. Atrasei porque acabou o gás. Mas amanhã pode ser que eu não venha, porque acabou a lenha”.
Aos 90 anos, em setembro de 2020, Seu Cocão deixou as ladeiras mineiras mais silenciosas, tristes e menos poéticas. A simpatia se foi. A voz grave se calou para sempre. E, permanece vivo apenas na memória de quem o conheceu.
Esta é uma homenagem póstuma ao Seu Cocão. Agradeço especialmente à sua família pela autorização para escrever e publicar este texto sobre ele. Vá em paz, Seu Cocão! E contagie o céu com a sua simpatia. Obrigada por adoçar a minha vida nos anos de sobe e desce nas ladeiras ouro-pretanas.
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