No post anterior (Ilha Anchieta), contamos como foi nossa aventura em um dos pontos mais belos do litoral norte paulista. Para quem passa de segunda a sexta em meio ao concreto de Sampa, nada melhor que marcar um encontro com o mar. Afinal, é sabido que, além de proporcionar diversão, refrescar e trazer boas energias para o corpo e a mente, um bom banho de mar ajuda no combate a doenças.
O relato de hoje, na verdade, “estava no forno” desde novembro do ano passado (2019). Mas, com a correria, foi deixado completamente de lado. Resolvemos retomá-lo agora, início de agosto/2020, quando completamos quatro meses e meio em quarentena no Estado de São Paulo, devido à pandemia do novo coronavírus, e com quase todos os atrativos naturais ainda fechados para visitação, o que fez com que batesse uma saudade enorme do contato mais íntimo com a natureza.
Voltamos, então, para falar novamente de um passeio de imersão na natureza, mas desta vez, substituímos o mar por um banho duplo de rio e de floresta! Nossas câmeras fotográficas, claro, foram junto conosco rumo ao Legado das Águas, a maior reserva privada de Mata Atlântica do país, com uma área de 31 mil hectares de floresta em alto grau de conservação. Propriedade da Votorantim, o Legado está localizado entre os municípios de Juquiá, Miracatu e Tapiraí, no Vale do Ribeira, a maior área contínua de remanescentes de Mata Atlântica existentes no Brasil.
A área onde está o Legado foi adquirida a partir da década de 1940 e conservada desde então pela Companhia Brasileira de Alumínio, com o objetivo de preservar a bacia hídrica do Rio Juquiá. Atualmente, além das atividades de ecoturismo, é um polo de pesquisas científicas e de projetos de educação ambiental, incentivo às comunidades locais e valorização da biodiversidade.
Conhecer o local já era um sonho de consumo antigo. Como amantes de fotografia, acompanhamos o trabalho de vários fotógrafos de natureza e conhecíamos o incrível projeto documental de Luciano Candisani (https://lucianocandisani.com/) no Legado das Águas, o seu esforço e paixão para registrar a diversidade de vida e a exuberância das paisagens da reserva.
Mais de 1.765 espécies de plantas e animais já foram identificadas na reserva, tais como o macaco-muriqui, a onça-parda, o cachorro-vinagre e até uma raríssima anta albina. Cerca de 290 espécies de aves foram catalogadas no local, um paraíso para que tem o birdwatching como hobby.
Dá para fazer um bate e volta de São Paulo até lá. O acesso é pela BR-116 (Rodovia Régis Bitencourt), sentido Curitiba, até o km 348 (o ponto de referência é o Restaurante Graal Japonês, e deste ponto em diante, são mais 26 km de estrada de terra – calculem pelo menos 50 minutos para completar o trecho de terra até a base do Legado. Não encontramos dificuldades na parte de terra (fomos em dezembro e não havia chovido nos dias anteriores), mas estávamos em um carro 4×4. Se não houver chovido muito, talvez não seja mesmo necessário um 4×4, mas veículos baixos vão sofrer um pouco para fazer o trajeto.
Na loja virtual do Legado das Águas (https://loja.legadodasaguas.com.br/), é possível adquirir o ingresso de visitação, que pode ser utilizado de terça a domingo e lhe dá o direito de conhecer a Trilha do Poço do Cambuci, a da Figueira, o Jardim Sensorial, o orquidário, o telhado verde e o viveiro de plantas nativas. Também é possível checar as datas agendadas e adquirir ingressos para as demais atividades, tais como caiaque, observação do céu noturno, banho em cachoeira, trilhas e travessias pela exuberante Mata Atlântica da reserva. Pernoite dentro da reserva em pousada ou camping e alimentação também estão disponíveis.
Assim que saímos do asfalto e pegamos a estrada de terra, nos sentimos como Alice no País das Maravilhas, adentrando em outro mundo: somos envolvidos pelo verde, a temperatura torna-se imediatamente mais amena, os aromas e sons da floresta ganham toda nossa atenção.
Assim que chegamos à sede do Legado, fomos recebidos por equipe atenciosa, que nos explicou como seria o nosso dia – havíamos agendado antecipadamente o passeio de caiaque duplo pelo Rio Juquiá. Na base, há um restaurante onde é possível fazer refeições, uma lojinha com alguns produtos do Legado (camisetas, bonés, entre outras coisas), um auditório e uma pousada com quartos simples e aconchegantes.
A canoagem em caiaque duplo é um passeio bem familiar, podendo ser feita mesmo por quem nunca remou. As águas da represa do Porto Raso são tranquilas e, mesmo tendo que remar por vezes contra a correnteza, não há grandes dificuldades.
Ir em turma é especialmente divertido. No início da remada, tomados pela empolgação, não paramos de conversar, damos risadas pelas remadas às vezes descoordenadas, mas logo somos abraçados pela beleza exuberante da Mata Atlântica ao redor e o silêncio nos envolve completamente: sentimos a brisa suave no rosto, os respingos de água refrescante na pele e passamos a prestar atenção somente nos sons e nas cores da natureza.
Há duas paradas no percurso. Primeiro, na Praia de Pedra, onde podemos tomar banho de rio, praticar stand up paddle, relaxar ao sol e fazer um lanchinho. No local há estrutura de banheiro.
Em seguida, a parada é na Cachoeira dos 10 m, que deságua no Rio Juquiá. Deixamos os caiaques estacionados em um banco de areia e podemos tomar banho de rio e fazer hidromassagem nas quedas da cachoeira. Deste ponto, é possível retornar remando. Porém, no dia, nos foi oferecido voltar de barco, uma experiência igualmente prazerosa.
Se a atividade de caiaque for feita na parte da manhã, ainda há muito o que aproveitar na sede do Legado. Como descrito acima, há viveiro de plantas, orquidário, telhado verde, a Trilha do Poço do Cambuci, a Trilha da Figueira e o Jardim Sensorial.
O viveiro tem capacidade para produção de 200 mil mudas por ano, de mais de 80 espécies nativas diferentes, destinadas ao reflorestamento ou venda. Todas as plantas são identificadas e, por meio de informações contidas em códigos de barra, é possível ter acesso ao histórico completo de cada exemplar.
No orquidário, é desenvolvido um projeto que consiste no resgate de orquídeas que naturalmente caem das árvores e morreriam se não fossem recolhidas; elas são tratadas até que possam ser realocadas em árvores ao longo das trilhas da reserva. No Legado das Águas existem mais de duas centenas de espécies de orquídeas catalogadas, algumas em risco de extinção.
A Trilha do Cambuci tem pouco mais de 2 km de extensão, sendo parte em terra e parte em passarela suspensa, o que propicia uma sintonia incrível com a natureza e uma sensação de paz sem igual. É uma trilha leve, sem dificuldades, e que até pode ser feita “rapidamente”, mas para nós, que gostamos de fotografia, não faltaram motivos para várias paradas e contemplação. O ideal é ir acompanhado por um dos guias da reserva, que vai dando aula sobre as espécies nativas, suas características e importância ecológica.
A Trilha da Figueira, como diz o nome, nos leva a conhecer a figueira centenária da reserva – é mais um daqueles momentos em que podemos assimilar a natureza em toda a sua inteireza, história e majestade, ao mesmo tempo em que olhamos para nós mesmos e nos damos conta de nossa pequenez diante dessa potência natural.
Já o Jardim Sensorial é um cantinho imersivo que merece uma visita silenciosa e sem correria. É possível conhecer diferentes espécies de plantas – há temperos, ornamentais e alimentícias não convencionais (PANC) – que estimulam os nossos sentidos, especialmente o tato e o olfato, com sua riqueza de texturas e aromas.
Com este post, procuramos mostrar um pouquinho da delícia que é passar um dia no Legado das Águas; há atividades para todas as idades, gostos e disposição, inclusive com opções para pessoas com mobilidade reduzida, deficientes físicos e visuais. Aliado ao lazer, temos uma verdadeira aula prática de conscientização sobre a importância da conservação ambiental.
Ainda confinados por conta da pandemia, estamos sentindo na pele o quão é difícil se ver privado do contato com o mundo natural, o que chega a nos aborrecer de vez em quando. Ao mesmo tempo, ganhamos um precioso momento de reflexão para redescobrir, pela enésima vez, que a construção de uma relação de respeito à natureza é, de fato, uma das únicas coisas que pode nos salvar. Busquemos uma retomada, conscientes da nossa responsabilidade de conhecer para preservar.
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