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Mata de São João, paraíso baiano e patrimônio nacional

Fotos: Tatyana de Andrade

O princípio de tudo

Uma das coisas mais interessantes numa viagem não é apenas a realidade atual, mas sim o conhecimento histórico do local que estamos visitando. Ao descobrirmos a história, nos deparamos com uma visão nova de toda a paisagem ali descrita. É importante sabermos que onde pisamos, num momento distante, fatos importantes aconteceram. Isso dá maior entendimento daquilo que nos cerca. Vamos então começar uma viagem ao ano de 1549.

Tomé de Souza

No início da colonização brasileira, Tomé de Souza foi nomeado o primeiro Governador Geral do Brasil. Sua missão era fundar uma cidade fortaleza na Bahia (Salvador), para assegurar o domínio da coroa portuguesa no litoral brasileiro e dar apoio militar às capitanias hereditárias. Mais tarde, seu filho, Garcia d’Ávila, recebeu do pai 14 léguas de terras de sesmarias, que iam de Itapuã até Tatuapara (Praia do Forte).

Maior latifúndio do mundo

Foi nesse local que D’Ávila construiu, em 1551, após ter vencido várias batalhas com os índios Tupinambás, o Castelo da Torre de Garcia D’Ávila. Em pouco tempo, tornou-se o maior latifundiário do mundo, administrando suas terras da Casa da Torre que foi a primeira construção de grande porte do país.

Capela de Nossa Senhora da Conceição
Ruínas
Maquete da casa da torre

Representação política e econômica

 O único castelo medieval das Américas, representou grande poderio militar no período colonial. Provavelmente sem essa fortaleza política, o nordeste brasileiro teria sido perdido para os franceses ou holandeses. Foi pioneiro também na pecuária e ajudou na expulsão dos jesuítas. Na realidade foi um grande centro político, onde decisões foram tomadas e aplicadas. Ele imprime sua importância, não só no contexto baiano mas também no contexto nacional. Foram séculos de existência onde gerações tiveram seu domínio político assegurado pela participação ativa nos movimentos históricos. Como exemplo temos a Guerra da Independência do Brasil, que alí serviu de base ao Exército Libertador da Cachoeira, em 1823, fornecendo destacamentos de Cariris armados com flechas e bordunas.

Ruínas

Na entrada do parque, onde está situado o Castelo, temos um lugar destinado a exposição de artesanatos locais, murais com a sua história, maquete do que deveria ser a Casa da Torre, o laboratório de arqueologia e um restaurante. Já na casa propriamente dita, quem nos recepciona é uma monumental figueira, que deve ter acompanhado de pertinho tudo o que sabemos e o que não sabemos. Há também junto à edificação, a capela de Nossa Senhora da Conceição, totalmente restaurada , pois era a única capela da região do litoral e a comunidade a manteve. Os santos do altar foram feitos por um artesão de Salvador baseado em peças da mesma época. Os laterais, Santo Antônio e São Francisco são originais, menos as cabeças que foram arrancadas por saqueadores a procura de tesouros. A construção possuía três pavimentos e uma torre com vista de vigília tanto para o mar (piratas) como para o sertão (índios). As ruínas estão com as paredes escurecidas, pois a alta salinidade deixa sua marca.

Figueira
Peças coloniais: louças chinesas e portuguesas

Herança

O mais interessante, é que hoje nós podemos conhecer essa parte, tão importante da nossa história, visitando o local que é considerado o maior sítio arqueológico já encontrado no Brasil. Apesar de todo o material existente, o monumento ainda não está explorado. Os objetos ainda não foram datados, mas pela experiência dos arqueólogos Ivan e Nadja, já se sabe que são pré coloniais e coloniais. Provavelmente o Castelo foi construído em cima de outro sítio com estruturas e fragmentos indígenas tupi-guarani. Na coleção temos três crânios que foram encontrados na capela, além de 18 esqueletos nos arredores. A equipe de arqueologia é formada por 4 pessoas que trabalham na área laboratorial. A coisa é tão grande, que através de um trabalho de geofísica com aparelho de GPR (semelhante ao GPS, só que de subterrâneos), descobriu-se construções a 4 metros de profundidade que, por falta de recursos, ainda não foram exploradas. O mais extraordinário de tudo é que, quando chove, turistas encontram restos de cerâmicas e afins e, graças ao bom senso, entregam as peças aos monitores. Foi aqui que o nosso país começou, e por incrível que pareça, se pensarmos no total de informações que temos, não sabemos absolutamente nada. Todo esse trabalho é mantido pela Fundação Garcia D’Ávila, que foi criada em 1981.

Antes dos portugueses, os Tupinambás eram os habitantes do litoral baiano. Índios guerreiros, ariscos e extremamente selvagens, não submeteram-se ao domínio dos colonizadores. Lutaram bravamente contra a invasão de suas terras e eram extremamente temidos, pois o canibalismo fazia parte de suas tradições.

Entenda-se que o canibalismo era, para eles, um ritual, que nos aniversários do cacique e do pajé, sacrificava-se um adversário corajoso. As mulheres comiam as vísceras, as crianças tomavam o sangue para crescerem fortes e os homens comiam o cérebro, para possuírem a coragem e o tupinambás espírito guerreiro de seu rival. Muitos personagens foram devorados como Francisco Pereira Coutinho (antigo donatário de Salvador).

Obviamente, os Tupinambás estavam atrapalhando demais os planos de Portugal, dificultando todas as suas ações na colônia. Como não conseguiam “domesticá-los”, foi necessário medidas mais drásticas, como transmitir vírus letais a eles. Os números da dizimação destes bravos guerreiros são assustadores. Os jesuítas chegaram a contar 40.000 índios cristãos. Já em 1545, restaram 10.000 que eram os mais dóceis e viraram escravos.

Mata de São João

Foi fundada por Garcia D´Ávila, filho de Tomé de Souza, em 1549, mas somente em 1846 foi elevada à vila. Faz parte da Grande Salvador, com uma população de 37.200 habitantes. É formada por cinco maravilhosas praias: Praia do Forte, Imbassaí, Diogo, Vila de Santo Antônio e Sauípe. Localizada a 56 km da capital, é ligada pela Linha Verde (Rodovia dos Coqueiros) e limitada pelas cidades de Entre Rios, São Sebastião do Passé, Pojuca, Dias D’Ávila, Camaçari e Itanagra. Mata de São João recebe este nome porque entre 1649 e 1659, João Lopo de Mesquita devastou as matas para a abertura de estradas e os nortistas falavam que iriam trabalhar nas matas de seu João. E o nome ficou então registrado, em 1846, como Mata de São João.

Milagre da Cruz de Santo Antônio

Em Costa do Sauípe, há uma cruz em plena praia, que parece perdida em meio aos coqueiros. Não é bem assim. Ela é a representação de um milagre. Seu Basílio (antigo dono da[1]quelas terras), relata que seu avô, sr. Tomé, viu Santo Antônio em carne e osso no local, deixando até uma pegada na rocha. Comovido, fez uma imagem em homenagem ao Santo e levou-a para uma capela da região. Passados alguns dias, a imagem voltou magicamente ao lugar da aparição. Tentou deixá-la em várias igrejas e ela sumia e aparecia de novo naquela praia. Seu Tomé ficou preocupado, pois achava que a imagem tinha que ficar em uma igreja, mas não conseguia. Então, ele construiu a cruz no local da teimosia de Santo Antônio e, a partir daquele momento, junto à imagem e à cruz, brotou água doce da areia. Após este milagre, seu Basílio construiu um altar e por muitos anos, ali virou um lugar de peregrinação dos moradores.

Parque Ecológico Sauípe

Em plena Mata Atlântica, este lugar de 66 hectares era, antigamente, uma fazenda de palmito e pupunha e hoje tornou-se um centro de educação ambiental para a comunidade local também para os turistas. No parque existem várias atividades esportivas com trilhas de 8, 6, 4, 3 e 2km, tirolesas de 300, 220 e 150 metros, prática de arborismo com 5 pontes e mais caiaques, canoas canadenses e bicicletas. O parque tem 4 lagoas artificiais e dois museus: o de História Natural com uma coleção taxonômica de espécies nativas e de outras localidades e o Museu Arqueológico, contendo peças encontradas na construção do Complexo Costa do Sauípe. É uma coleção bem grande, com destaque para um símbolo desenhado na pedra, talvez o primeiro ato de escrita da tribo Tupinambá, os arqueólogos ainda não decifraram o código. A equipe que trabalha no parque é local.

Fauna

Seu Basílio conta que há um peixe que come gente e esse peixe tem duas presas enormes e chega a ter dois metros. Vive em água doce e salgada. Que peixe é esse? É a Caranha, peixe de escamas, forte e corpo alongado, pode ser pardo esverdeado, róseo escuro ou pardo avermelhado. Chega a 1,5 metros de comprimento e até 60kg. Sua principal característica é a presença de dentes caninos. Hábitos noturnos. Sua carne não é muito apreciada, mas os nativos não acham isso. Fora a caranha, encontramos também 250 espécies de aves, jibóia, gato mourisco, iguana, mico, tamanduá-mirim, papagaios, tucu branco, cobra coral e cobra caiana.

FloraO coqueiro é merecedor de destaque de qualquer reportagem que se faça por essas terras. Ele é o senhor absoluto da paisagem. Para todo canto que se olha, é o coqueiro que dá as boas vindas para você. Mas, por incrível que pareça, este senhor não é nativo. Sua origem é do sudoeste asiático e foi trazido pelos colonizadores portugueses. Como eram conhecedores de todos os continentes, faziam experiências botânicas, importando e exportando espécies diferentes para verificarem as adaptações das mesmas em territórios estranhos. E não é que deu certo?
Todo o litoral norte da Bahia é formado pela restinga, tipo de vegetação própria de terrenos salinos formado por ervas, arbustos e árvores. Os destaques são a aroeira de praia e o cajueiro.

Aqui, o que predominava era a Mata Atlântica, praticamente devastada pelo cultivo de cana-de-açúcar. Hoje temos áreas protegidas e de recuperação graças as iniciativas governamentais, privadas e ONGs.

Renata Weber Neiva

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