Por Leila Sugahara – Matéria publicada na revista Cenário Musical
Como a música influencia no desenvolvimento da criança? Com que idade começar a musicalizar? O que é musicalização para bebês? Que tipos de atividades são desenvolvidos nas aulas de musicalização infantil? Com que idade começar a estudar um instrumento musical? Essas são algumas perguntas freqüentes feitas por pais e alguns professores de música. E ao tentar responder a essa e a outras questões, cheguei à conclusão que não podemos pensar em música para crianças sem pensar em movimento. Quanto menor a criança, mais ela se encontra em sincretismo com o meio em que vive, pois depende do adulto para atender e satisfazer as suas necessidades de sobrevivência. Ao nascer, os movimentos da criança encontram-se indissociados e descoordenados, aos poucos os movimentos reflexos de preensão e sucção vão dando lugar a movimentos cada vez mais intencionais.
Segundo o psicogeneticista francês Henri Wallon, as reações de bem-estar ou de mal-estar da criança, que se manifestam mediante essas descargas motoras indiferenciadas (reflexos) é que suscitam nos adultos que a cercam re-ações de natureza afetiva e emocional, provocando respostas a suas necessidades. Essa interação da criança com o meio externo, gradativamente, construirá um campo de comunicação recíproca, onde o adulto, respondendo às manifestações e reações do bebê, passa a compreendê-lo e atendê-lo cada vez mais adequadamente, além de desenvolverem juntos um repertório de significados.
Da mesma forma, a criança tem uma resposta afetivo-motora para a música. Quanto menor a criança mais ela de-pende de um adulto que a auxilie nos movimentos, buscando uma posição ou movimento que provoque sensação de bem-estar. Muitas vezes, basta colocar uma música suave para que a criança pare de chorar, provocando sensação de bem-estar, da mesma maneira que o embalar ao som de cantigas de ninar. Ao manipular objetos como chocalhos e outros brinquedos sonoros, ou ao en-cantar-se com os movimentos do corpo recém descoberto, a criança tentará reproduzir os gestos que provocaram as sensações na tentativa de obter o mesmo efeito. A repetição do movimento possibilita um ajustamento do gesto ao seu efeito, uma espécie de treino, que leva ao refinamento da preensão, da percepção e da linguagem, permitindo à criança descobrir a qualidade dos objetos, aguçando a sua sensibilidade e organizando seus gestos, tornando sua atividade cada vez mais planejada e organizada voluntariamente. Por todos esses motivos, um bebê cujos pais tem um piano em casa, podem e devem co-locá-lo para brincar e experimentar seus sons e manipular as teclas, ampliando o seu repertório de experimentações.
Até os dois anos de idade a criança aprende a andar, a falar e a interagir mais com o mundo a sua volta. É o andar e a linguagem que darão oportunidade à criança de ingressar no mundo dos símbolos. Essa é uma etapa fundamental no desenvolvimento psíquico da criança.
Pois é a linguagem que permitirá outra forma de exploração do mundo. Mas como seu pensamento ainda está em seu início, a criança necessita do auxílio dos gestos para se exteriorizar. Por exemplo: quando a criança fala de um presente que ganhou, uma bola bem grande, abre bem os braços para mostrar o tamanho da bola. Cantigas acompanhadas por gestos exercem grande fascínio nessa fase. Bem como canções que permitam o seu deslocamento pelo espaço. Brincar de saltar, de correr, de rodar, bem como canções que explorem o esquema corporal, também são atividades bem vindas, assim como a exploração de brinquedos sonoros e instrumentos musicais diversos. Tudo isso é movimento.
Com as aulas de musicalização, é possível que a criança a partir dos três anos comece a manifestar a vontade de aprender um instrumento musical. É nesse momento que é importante que ela possa conhecer o maior número possível de instrumentos diferentes, experimentando timbres diversos, e aprendendo a percebê-los e reconhecê-los. Mas ainda não é o momento de iniciá-la no estudo específico de um instrumento musical, sendo as aulas de musicalização mais adequadas para a idade. Portanto, a manipulação dos instrumentos musicais consiste num exercício necessário para o desenvolvimento do psiquismo da criança, que também se encontra intimamente relacionado ao desenvolvimento afetivo, por provocar sensações de bem estar ou mal estar. Ao descobrir novas possibilidades e novos conhecimentos, a criança desenvolve uma atitude positiva em relação à música.
Assim como a criança que até os sete anos nunca segurou um lápis e nunca viu um livro provavelmente terá mais dificuldades para aprender a ler e a escrever, uma criança precisa de um ambiente que ofereça uma variedade de experiências musicais para que ela desenvolva essa atitude musical positiva.
Portanto, cabe aos adultos proporcionarem oportunidades diversas para que a criança possa tomar contato com a música, através de gravações de boa qualidade, de bons instrumentos musicais, oferecendo livros que contenham partituras, dançando, tocando e cantando com ela e principalmente, buscando juntos a sensação de bem-estar, através do amplo movimento que compõem o todo chamado: Música.
LEILA SUGAHARA
Doutora e mestre em Psicologia da Educação. Atua como formadora, educadora musical e professora de piano. Atende como pedagoga e psicopedagoga. Presta assessoria e consultoria na área de música e educação. É Diretora da RedeEduc – Sistema de ensino de música para crianças e do Espaço Pedagógico Leila Sugahara.