Aqui. Agora… O mundo continua parado.
O vazio existe e eu o conheci pessoalmente. Após subir mais de 5.500 metros de altitude, e atravessar a Cordilheira dos Andes, pouco a pouco, e com o passar das horas que se tornaram eternas, cheguei ao vazio. Alí estava ele, quieto, estável e absolutamente pacífico. Paralisado no tempo. Me lembro que estava cheio de tudo ao mesmo tempo que também era vazio. Sensações estranhas, o meu fisiológico, a minha percepção da realidade e a minha respiração estavam alteradas devido à falta de oxigênio.
Lentidão, muita dificuldade para respirar e certa ansiedade para conhecê-lo.
A experiência de atravessar a Cordilheira e ver aquelas paisagens únicas e espetaculares que mais se assemelham a um filme de ficção científica na qual a mão do homem não tivera impacto, sem dúvida, parece ser o melhor preâmbulo nesta experiência existencial.
Certamente, esse impacto que senti no meu próprio corpo foi proporcional ao momento em que vivo atualmente. Poderoso, impressionante e ao mesmo tempo absolutamente silencioso. Estou gradualmente fechando uma das etapas mais importantes da minha vida. Um estágio em que decido começar do zero, me reinventar, redescobrir o meu trabalho e usar o poder dessa transformação e a conseqüente depuração para construir uma vida mais plena e ao mesmo tempo mais simples.
É interessante, de certa forma, que o sentimento atual que hoje percebo em muitas pessoas seja o mesmo que senti quando fiz o meu “pequeno grande” ritual na pequena localidade de Ebnit, Áustria, enquanto queimava quase 20 anos de trabalhos; 300 obras de arte produzidas entre 1998 e 2016, uma a uma levadas à fogueira. Aquele vazio, todas aquelas incertezas – e estas atuais – situações hipotéticas, perguntas que não tinham respostas, o confronto com nossos piores medos, a desolação e a sensação de um dia-a-dia que já não fazia mais parte de um propósito de vida, senão era o resultado de uma rotina desenfreada que nos levou a um lugar cada vez mais distante da nossa felicidade… Este projeto me trouxe de volta ao aqui e agora.
Hoje percebo que, em 2017, me preparei sem sequer imaginar que um dia o mundo seria forçado a esta pausa obrigatória, um lockdown. Um 2017 que trouxe com o poder do fogo uma sabedoria – pessoal e profissional – que me ensinou que a matéria não importa. Realmente, não importa. Vivemos acontecimentos, somos felizes através de experiências, com os outros ou de forma individual. Me preparei, sem saber ao certo o que estava fazendo, ainda que isso servira para chegar pleno para enfrentar esta pausa. Me preparei para ficar quieto, entender que a desolação, a solidão e que os momentos de calma são fundamentais.
Usar as cinzas das minhas próprias obras queimadas para contabilizar o valor do meu tempo e o tempo de outras pessoas significa haver encontrado sinais reais de porquê fiz o que fiz nos últimos 20 anos, porque levei adiante este projeto chamado “FOGO” e o que farei daqui pra frente após três anos repletos de autoconhecimento.
Um deserto chamado Atacama renovou e aprofundou esse novo estado em minha percepção do mundo, um sentimento diferente, fresco e atual, presente e imprevisto, vigoroso e chocante, vazio e repleto de uma enorme solidão. É fundamental conhecer a plenitude do vazio para crescer como humanidade e entender realmente o significado das coisas importantes e, sobretudo da importância de cada pessoa em nossas vidas.
“FOGO” representa um conjunto de interrogantes sobre o tempo. O mesmo tempo que impõe respeito à vida, que apresenta diretamente a nossa iminente desaparição. Nos apresenta de forma direta a nossa maior preciosidade: nosso próprio tempo. E a pergunta que se repete uma e outra vez desde aquele dia junto ao fogo: qual é o real valor do nosso tempo?
Texto e fotos por: Luca Benites, artista plástico