Santo Antônio de Pádua, ou de Lisboa para alguns, foi um dos mais importantes religiosos de seu tempo. Sua incansável disposição de se doar aos pobres e a integral dedicação às regras dos franciscanos lhe valeram uma das mais imaculadas biografias de todos os tempos.
por Fernando Savaglia – Fonte: Coleção Santos do Amor
Era o dia 15 de agosto, data em que se comemora a Assunção de Nossa Senhora. Dia, também, em que o menino Fernando veio ao mundo, em Lisboa, no ano de 1195.
Seu pai, Martinho Vicente de Bulhões, não escondeu sua felicidade ao saber do sexo do recém-nascido. Seu primeiro filho perpetuaria o nome da família, que descendia de Godofredo de Bouillon, Duque da Baixa Lorena e herói da primeira Cruzada. O pequeno foi batizado numa longa cerimônia, como era o costume na época. Poucos dias depois de seu nascimento a zelosa mãe, D. Teresa Taveira, se postou diante da imagem da Virgem com Fernando no colo e pediu que a Santíssima Mãe protegesse seu bebê. Durante sua infância o garoto recebeu uma educação austera, porém carinhosa, de sua mãe, que imprimiu na sua jovem alma o amor a Deus e a importância de valores como caráter, justiça, honra e caridade. D. Teresa também ensinou ao pequeno a oração que sempre o acompanharia, o Hino a Nossa Senhora da Assunção, e falou sobre a importância da pureza da alma e do corpo.
Fernando era dono de grande sensibilidade. Desde criança demonstrava uma grande preocupação pelo bem estar do próximo. Não raro, questionava sua mãe sobre a razão das várias injustiças existentes no reino dos homens. Possuía também, já em tenra idade, a nítida percepção de que sua privilegiada condição social não o fazia diferente dos outros, menos favorecidos, ante o amor de Deus. Pelo contrário, por diversas vezes buscou na caridade um meio de aplacar parte de sua angústia, resultante de tantas indagações.
Como todos os meninos de sua idade, quando não estava estudando Fernando, brincava com outros garotos. Divertia-se recriando os cenários dos grandes feitos e batalhas dos cruzados na Terra Santa. Espadas e lanças de madeira eram usadas para simular as verdadeiras armas dos corajosos cavaleiros. De tanto escutar seu pai contar as glórias e aventuras de seu antepassado, o pequeno gostava de encarnar Godofredo de Bouillon nas brincadeiras.
Muito arraigada aos valores das sociedades europeias da época, a religiosidade acabava por fazer parte também dos jogos e fantasias infantis. Não eram raras as encenações, pelas crianças, de missas, cerimônias e sermões em púlpitos improvisados.
Desde cedo, o filho de D. Teresa sentia curiosidade pela vida eclesiástica. Com pouco mais de cinco anos de idade se tornou coroinha. Foi auxiliando os padres nas missas que Fernando percebeu mais claramente a mudança de comportamento das pessoas dentro da igreja.
O menino observava que o ambiente de respeito, cordialidade e fraternidade que existia durante os cultos não era o mesmo fora do templo. Aquela discrepância o intrigava sobremaneira.
Conforme o jovem ia crescendo sua vocação religiosa se tornava cada vez mais presente. Quando contava com cerca de oito anos passou a estudar com seu tio, também de nome Fernando, Cônego da Catedral de Lisboa. Foi lá, na Escola Episcopal, que aprofundou os estudos iniciados com sua mãe e também tomou contato com disciplinas como a Retórica e a Dialética. Esse conhecimento seria fundamental na formação de uma de suas maiores virtudes como religioso, a capacidade assombrosa de exprimir em palavras a glória de se servir a Deus.
D. Afonso Henriques, primeiro Rei de Portugal, reconquistou Lisboa dos mouros em 1147. A batalha custou inúmeras vidas e ficou marcada pelo sacrifício e pela valentia de seus comandados. Para homenagear tal feito foi construído, próximo à cidade, o Mosteiro de São Vicente. Lá, na pequena abadia, se instalaram frades seguidores da Regra de Vida de Santo Agostinho.
Dentre todas as ordens religiosas existentes dentro da Igreja Católica Apostólica Romana, a agostiniana é a que mais dedicava tempo ao estudo da Filosofia, pois era grande a importância que o fundador da ordem dava à disciplina. Santo Agostinho foi um brilhante pensador, autor de inúmeros tratados filosóficos e teológicos. Foi influenciado por Plotino, importante filósofo grego, e sua obra continua a inspirar pensadores até os dias de hoje.
Foi nesse ambiente, impregnado de erudição, que o então adolescente Fernando de Bulhões iniciou sua carreira eclesiástica, com quinze anos de idade. A iniciativa partiu do próprio jovem. Seus pais, percebendo sua real vocação, não se opuseram à decisão. Fernando foi acolhido pela suprema autoridade do Mosteiro de São Vicente, D. Gonçalo Mendes. Rapidamente se habituou à rotina do ambiente entre os Cônegos Regulares de Santo Agostinho.
As regras e a rígida disciplina foram de fácil assimilação pelo jovem, e o acesso a todo o conhecimento que o mosteiro agostiniano oferecia o enchia de entusiasmo. O fato de ter que abrir mão do conforto e da riqueza que seu pai lhe proporcionava em nenhum momento representou qualquer ameaça à sua decisão, o que confirmava mais ainda sua vocação para a vida religiosa.
Porém, aos poucos, algo começou a inquietar o jovem. A princípio, acreditou que a proximidade do mosteiro em relação a Lisboa não permitia a ruptura completa com suas raízes, condição necessária, a seu ver, para assumir de vez sua vida religiosa. Dois anos depois de seu ingresso no priorado solicitou a um surpreso D. Gonçalo a permissão para se transferir para outra abadia. O prelado não escondeu sua tristeza, porém tinha total consciência de que o jovem cônego já era um promissor teólogo e ansiava por mais conhecimento. Permitiu, assim, sua ida para o Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra, na época o mais importante do Reino de Portugal.
A imponente abadia de Coimbra havia sido fundada em 1131 pelo Rei D. Afonso Henriques e era, na época, considerada o centro do pensamento teológico e filosófico de Portugal. Sua importância era tal que o próprio monarca que a fundou, grande herói da libertação portuguesa, estava lá sepultado.
Os cônegos do mosteiro atuavam em importantes missões pastorais. Além da paróquia da cidade, eram responsáveis ainda por outra, nas cercanias de Coimbra, e por dois hospitais.
Nos anos que passou lá Fernando comprovou a previsão de D. Gonçalo, se tornando um grande teólogo. Dedicou-se aos estudos da Bíblia com profunda devoção, sendo considerado, na época uma das maiores autoridades no livro sagrado dentro da abadia. No início de 1219 concluiu sua preparação para o sacerdócio e foi ordenado ainda naquele ano.
O agora sacerdote cumpria a primeira etapa de sua vida religiosa, transformando-se num exemplo de caráter, justiça e honra, exatamente os princípios que sua mãe lhe incutiu quando criança. Era também admirado por sua erudição e muito querido por seus colegas, devido à sua humildade e companheirismo.
Mesmo rodeado de tanto afeto e respeito, a mesma inquietação da época de sua estada no Mosteiro de São Vicente persistia. Sentia no peito um vazio, como se procurasse por algo que nem mesmo ele sabia definir. Rogava a Deus por uma luz, uma direção. Numa bela manhã, a resposta começou a aparecer.
Era cedo ainda. Naquele dia, Fernando era o encarregado da hospedaria que ficava próxima à porta principal do mosteiro. Curioso com risadas e barulho de passos, se dirigiu à entrada da abadia. Deparou-se com quatro homens, vestindo roupas dignas de mendicantes. Sorrindo, um deles se dirigiu ao agostiniano:
– Irmão, teria alguma comida para nos oferecer? Fernando arranjou-lhes pão e, intrigado, perguntou:
– Quem sois vós?
Abaixando a cabeça em sinal de respeito, respondeu aquele que parecia ser o mais falante dos religiosos:
– Somos frades menores, servimos a Deus seguindo os preceitos de nosso irmão, Francisco de Assis.
– E onde moram? replicou o sacerdote, impressionado com o despojamento, o desapego e a alegria que irradiavam daqueles homens.
Mastigando o pão, o frade apontou para uma pequena edificação no alto do vizinho Monte Olivares. À distância, era possível distinguir um conjunto de casas e uma diminuta capela, parcialmente escondida pelas grandes árvores que a cercavam. Essa humilde construção era o convento de Santo Antônio Antão, que recentemente havia passado a abrigar os seguidores da Ordem dos Frades Menores.
Os franciscanos, como também eram conhecidos, haviam chegado a Portugal há pouco tempo. Suas normas e princípios impressionaram, entre outros, Dona Urraca, a Rainha consorte de Portugal, que se tornou uma de suas mais ardorosas simpatizantes. Assim que terminaram de comer a improvisada refeição os maltrapilhos se despediram, reverenciando o sacerdote agostiniano. Rumaram para o centro de Coimbra.
Intrigado, Fernando os seguiu com os olhos. Por viver de esmolas, não ter entre eles quem celebrasse missas e também pela proximidade do Mosteiro de Santa Cruz, os franciscanos voltaram inúmeras vezes. A cada visita satisfaziam as curiosidades de Fernando, que quanto mais convivia com os franciscanos, mais percebia a distância que existia entre o seu modo de servir às palavras de Jesus Cristo e a maneira simples dos seus irmãos instalados do Monte Olivares.
Os franciscanos pareciam alheios aos grandes debates teológicos, assim como não possuíam nenhuma ambição em relação à erudição. O sacerdote agostiniano não se continha diante do bom humor daqueles maltrapilhos frades. Divertia-se ouvindo histórias de suas aventuras pela Europa e pelo norte da África.
A indiferença em relação aos aspectos mundanos da vida e a maneira simples e objetiva de professar sua fé em Deus garantiam a eles o que muitos interpretariam como a mais autêntica expressão da felicidade.
Certa vez, ao visitar o pequeno convento com o intuito de levar a comida de que os franciscanos necessitavam, adentrou na pequena capela. Ao olhar para o humilde e singelo altar, a imagem da suntuosa e rica igreja do Mosteiro de Santa Cruz lhe veio à mente. De repente, percebeu que a identificação cada vez mais forte que sentia com aquela gente alegre e simples era, na verdade, o presságio de que sua inquietação, que o acompanhava desde a juventude, um dia chegaria ao fim.
A resposta às suas indagações estava ali, no altar da modesta ermida. Para Fernando, a simplicidade de Cristo na sua peregrinação terrena estava impressa na missão dos franciscanos. A seu ver, as palavras de um homem que nasceu numa manjedoura poderiam ecoar de maneira muito mais forte pelo mundo se fossem espalhadas com a pureza e a candura que aqueles frades traziam consigo. Sentiu que havia encontrado seu caminho. Sua angústia se dissipou. Resolveu se unir aos frades menores.
Fernando se preparava para anunciar a decisão a seus superiores do Mosteiro de Santa Cruz quando a notícia chegou. Cinco irmãos franciscanos, com quem tinha convivido nos últimos meses, foram mortos na sagrada missão de levar as palavras de Cristo aos infiéis no Marrocos. Seus corpos foram resgatados e sepultados no Mosteiro de Santa Cruz.
Na noite em que tomou conhecimento do trágico acontecimento, a conversa que teve com um dos frades assassinados voltou à sua lembrança: “Vamos ao encontro de nossos irmãos muçulmanos”, disse sorrindo o franciscano. A palavra “irmãos” soou estranha, já que foi usada para se referir ao inimigo que, desde criança, Fernando foi acostumado a temer e hostilizar. Mas por que não utilizá-la? Afinal, pensou o sacerdote, Jesus disse: “Amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem”. A admiração e o respeito pelos franciscanos cresceram. Fernando desejou poder ter estado junto deles naquela fatídica viagem. Não temia ter o mesmo fim dos frades. Pelo contrário, queria se tornar um mártir como eles.
Esses acontecimentos acabaram por precipitar seu desligamento do mosteiro agostiniano. Na manhã seguinte comunicou sua decisão ao seu superior, que diante de sua explanação não viu alternativa a não ser permitir sua ida. Os franciscanos vieram buscá-lo. Trocou o belo hábito branco que costumava usar pelas maltrapilhas vestes usadas pelos frades menores. Passou também a usar da famosa saudação criada por Francisco de Assis, “paz e bem”.
No Monte Olivares, foi recebido de braços abertos pelos irmãos. Solicitou ao Provincial Franciscano que permitisse a ele dar prosseguimento à missão dos mártires no Marrocos. Foi atendido. Porém, antes era necessário completar o noviciado. Assumiu, então, o nome de Antônio, como o do santo eremita que batizava o convento que o abrigou.
Os meses de adaptação à nova ordem não foram fáceis. Com a intenção de acompanhar os hábitos de seus irmãos, passou a andar descalço. Os pés desnudos, não acostumados às longas caminhadas, sangravam profusamente. Chegou a passar fome, porque não sabia pedir esmolas. Demorou a se habituar a dormir no chão. Entretanto, ser franciscano lhe dava a oportunidade de exercitar sua humildade todos os dias.
Certa vez, conversando com um irmão, sem perceber, começou a discorrer sobre um tratado filosófico de um antigo pensador grego. Seu interlocutor o interrompeu sorrindo e disse: – Antônio, seu conhecimento é admirável, mas cuide para que ele nunca se transforme numa barreira entre você e a simplicidade.
Finalmente, em dezembro de 1220, completou seu noviciado. Pôde, então, embarcar com Frei Filipino de Castela para o Marrocos, em busca da sua missão.
Durante a viagem passou muito mal. Ao desembarcar em solo africano foi acometido por febre alta. Era a malária. Encontrou abrigo entre comerciantes cristãos que, percebendo a gravidade de seu estado, rapidamente chamaram um médico local. O exercício de humildade foi colocado em prática novamente. Sentia que estava prestes a morrer, muito antes de sequer trocar uma única palavra com qualquer mulçumano. Para piorar a frustração, um médico infiel se tornou uma esperança de reencontrar o bem estar físico. Debilitado e se sentindo totalmente fracassado pela impossibilidade de concluir sua missão, Frei Antônio foi consolado por seu companheiro de viagem: – Acredito que a você, Antônio, Deus esteja guardando para um futuro próximo outro martírio que não este que acreditava ter aqui, junto aos infiéis. Filipino, com a voz embargada, complementou: – Tranquilize seu espírito. Entregue os desígnios de sua vida nas mãos Dele.
Muito doente, não restava a Frei Antônio alternativa outra que não voltar à Europa. Dias depois embarcaram.
A pequena nau que levava os franciscanos de volta à Península Ibérica foi castigada por uma forte tempestade. Ondas gigantes balançavam a embarcação de maneira violenta. Encolhido próximo à proa, ainda buscando se restabelecer, um abatido Frei Antônio tentava se proteger das ondas que respingavam no diminuto convés.
A borrasca acabou por danificar o timão da embarcação, e os ventos levaram a nau para o lado oposto ao seu destino original. Alguns dias depois de deixar o norte da África, o navio, ou o que sobrou dele, aportou na costa da Sicília. Lá, os dois frades foram acolhidos por irmãos franciscanos. Sabiam de antemão que aconteceria em Assis, na véspera de Pentecostes, uma reunião da Ordem dos Frades Menores, comandada pelo próprio Francisco.
Aos poucos, depois de quase três meses, Frei Antônio foi recobrando suas forças. Assim que se sentiu capaz de levantar partiram em direção ao norte, ao encontro do fundador da ordem a que pertenciam. Quando chegaram naquele que ficou conhecido como o Capítulo Geral da Ordem Franciscana de 1221, se depararam com mais de 3000 frades oriundos de toda a Europa.
De longe, Antônio se impressionou com a figura de Francisco de Assis. O frei italiano sofria de tracoma, herança de sua passagem pelo Egito. Era muito magro e sua palidez, que diziam ser devida à febre quartã, também chamava a atenção. No entanto, aquele religioso, de aparência tão frágil, era dotado de um carisma nunca observado por Antônio em nenhum outro homem. Devido ao seu debilitado estado de saúde, para poder falar aos seus irmãos, São Francisco fazia uso da potente voz de Frei Elias. Sentado sobre uma pedra, o fundador da ordem falava ao ouvido do irmão, que com seu corpanzil, se abaixava inúmeras vezes escutando a mensagem de São Francisco e a retransmita aos brados para os presentes. As principais recomendações eram: não ceder às tentações, não usar animais para se locomover e manter o clima de amizade e respeito entre todos.
No encontro ficou decidido que os freis seriam remanejados para os inúmeros conventos de toda a Europa, de acordo com a necessidade dos mosteiros. Antônio foi escolhido por Frei Graciano – Ministro e Servo dos irmãos menores da Província de Romandíola – para se juntar a ele no pequeno Convento de São Paulo, situado no Monte Paolo, próximo à cidade de Forli, na região central da Itália.
Um religioso discreto e solícito. Assim era definido Frei Antônio no convento. Sua presença mal era notada dentro do mosteiro, pois falava apenas o necessário com seus irmãos e gostava de passar a maior parte do tempo sozinho.
Para alguns biógrafos, essa fase introspectiva era, ainda, resultado de sua frustrada aventura na África. “O que Deus deseja de mim?”, se perguntava nos momentos de reflexão, longe de seus afazeres. De novo, um questionamento trazia angústia. E, de novo, Deus indicou o caminho ao frade.
Na cidade próxima de Forli, alguns noviços franciscanos e dominicanos seriam ordenados sacerdotes. Frei Antônio, entre outros, foi convidado a comparecer à cerimônia. Ao final da consagração era esperado que um seguidor da Ordem de Domingos de Gusmão se encarregasse da homilia, haja vista que os dominicanos eram reconhecidamente excelentes pregadores. Porém, num gesto de simpatia, a honra foi cedida aos frades menores. Qual não foi a surpresa de Antônio ao ouvir seu nome ser anunciado por Frei Graciano para proferir o sermão!
Reticente, se levantou e caminhou até o púlpito. “O que dizer?”, pensou. Fechou os olhos e rogou a Deus que sua voz servisse como Seu instrumento. As palavras começaram a aparecer de maneira espontânea. A contundência do discurso contagiou a todos os presentes. Enquanto os frades menores se olhavam, espantados com a revelação do talento do tímido irmão português, os dominicanos se impressionavam com sua retórica e capacidade de síntese. O que se ouviu foi a mais prodigiosa elocução proferida até então por um frade franciscano. Depois daquele dia, todas as pregações do religioso português eram ansiosamente aguardadas.
Passados alguns meses, Francisco de Assis – ciente das qualidades de Frei Antônio e da carência que tinham os franciscanos de bons pregadores – o incentivou a usar cada vez mais seu talento, por meio de uma singela carta. Aproveitou, também, para nomeá-lo Lente de Teologia do Convento de Bolonha.
Em 1224, o frei português foi convocado por Francisco de Assis para uma importante missão no sul da França: combater a heresia cátara. O catarismo era uma seita cristã que confrontava vários dogmas católicos. Seus seguidores eram gnósticos e misturavam em suas cerimônias elementos da fé cristã com interpretações místicas, que incluíam até estados alterados de consciência. Não viam Jesus como o filho de Deus, mas como um profeta. Refutavam a autoridade do Papa, assim como de qualquer autoridade religiosa ligada à Igreja.
Em 1215, o Papa Inocêncio III considerou herético o catarismo e hereges os seus seguidores. Percebendo a disseminação da seita e atendendo às reivindicações políticas de Filipe II, Rei da França, que temia um alastramento das ideias polêmicas defendidas pelos cátaros, Inocêncio III permitiu a criação de um exército para confrontar os hereges. Esse episódio ficou conhecido como a Cruzada Albigense, porque um dos principais redutos dos hereges foi a cidade de Albi, localizada no sudoeste francês.
A violenta guerra entre católicos e cátaros teve várias fases e se estendeu por mais de três décadas. A missão de Antônio tinha por objetivo buscar a reconciliação dos hereges com os sacros ensinamentos, sempre por meio da palavra. Assim como tinha pretendido fazer na sua experiência frustrada no norte da África com os muçulmanos, o frei português foi ao sul da França buscar o entendimento entre os homens. Não compactuava com a violência e os saques dos cruzados e via com certa desconfiança os ditames da política do Rei da França.
Em 1224 chegou a Montpellier e se alojou num pequeno convento franciscano próximo à cidade. Lá, ensinou aos frades a Teologia. Suas pregações reconduziram vários cátaros à fé católica. Esteve também em Tolosa, onde realizou milagres que trouxeram mais hereges para o rebanho da Santa Igreja. Foi eleito Superior do Convento de Puy e, após alguns meses, se dirigiu a Limoges, onde permaneceu por um ano. Foi lá que ocorreu o primeiro dos famosos milagres de bilocação.
Nessa época, o frade português ocupava o cargo de Custódio, ou seja, era a autoridade máxima perante os conventos franciscanos da região. No dia 3 de outubro de 1226 faleceu Francisco de Assis. Ao tomar conhecimento da notícia, Frei Antônio concluiu que necessitava retornar à Itália. Precisava, mais do que nunca estar presente naquele que seria o primeiro capítulo geral da ordem franciscana sem a presença de seu fundador.
A porta de entrada da Itália no Mediterrâneo é a Sicília. Assim que desembarcou vindo da França, novamente foi recebido em um dos conventos da Ordem dos Frades Menores, na mesma ilha que o acolheu no retorno de sua desastrosa viagem ao norte da África. Curiosamente, nesse mosteiro, se desentendeu com o superior da abadia ao defender a ideia da escavação de um poço artesiano.
Seu intuito era o de aliviar seus irmãos do sacrifício, a seu ver inútil, de trazer a água necessária de um lugar muito distante e de difícil acesso. Sem suspeitar que o Abade ficaria zangado por se sentir desautorizado perante os freis, Antônio deu início à escavação do poço, um dia após ter sido nomeado autoridade maior do convento na ausência do titular, que tinha viajado por alguns dias.
Ao retornar da viagem o superior entabulou uma ríspida discussão com Antônio, punindo o frei português com o isolamento. Suspeita-se que, no íntimo, o corretivo o tenha agradado sobremaneira, dadas as poucas oportunidades que havia tido nos últimos meses de ficar só. Curiosamente, a cela onde se isolou em penitência foi transformada, após sua canonização, em uma capela, justamente por ter abrigado durante alguns dias o homem santo.
Depois de cumprir seu castigo, Frei Antônio tentou retomar sua viagem rumo ao continente. Mas sua fama já era reconhecida dentro da ilha. Por isso, foi requisitado para pregar em inúmeros conventos da região. Terminada a nobre missão, embarcou rumo ao norte. Sua passagem por Roma coincidiu com a Quaresma. Suas pregações durante o período atraíram verdadeiras multidões, que se hipnotizavam com sua retórica. Numa dessas oportunidades, diante do Papa Gregório IX, discorreu sobre temas relativos à Sagrada Escritura. Sua memória prodigiosa e sua interpretação brilhante dos textos bíblicos o fizeram receber do sumo pontífice a alcunha de “Arca do Testamento”.
De Roma, alcançou Assis, onde recebeu o encargo de Superior Provençal dos conventos da Romagna. Tal distinção era cargo de grande responsabilidade, cabendo a Frei Antônio visitar regularmente todos os mosteiros da região e, ainda, providenciar que outros tantos fossem construídos.
A partir daí, sua residência oficial passou a ser em Pádua, cidade que centralizava a administração dos conventos franciscanos de todo o norte da Itália. Foi lá que o frei português defendeu os pobres, naquele conturbado ano em que a política da cidade fervilhava e que, pela primeira vez em sua vida, registrou seus sermões dominicais, marianos e festivos no pergaminho. Isso se deu durante a Quaresma de 1228, após insistentes apelos populares.
No entanto, suas obrigações como Ministro Provincial o faziam viajar constantemente pela região setentrional do país. Trieste, Údine, Gorizia, Gemona, Veneza, foram algumas entre tantas outras cidades que acolheram o franciscano em sua primeira peregrinação após a investidura em seu novo cargo. Esteve também em Ferrara e aproveitou para visitar o antigo Convento de São Paulo, aonde foi levado por Frei Graciano em 1221. Ao entrar no mosteiro se emocionou, lembrando que ali foi sua primeira casa na Itália. Recordou-se, também, do primeiro encontro com Francisco de Assis e de sua experiência inicial como pregador no púlpito da Igreja de Forli. Muita coisa havia mudado em sua vida desde então, menos sua inquebrantável disposição de servir a Deus.
As longas viagens continuaram. Próximo a Florença, Frei Antônio visitou o Monte Alverne, que ficou famoso por ser o local escolhido por São Francisco em seus momentos de meditação e reflexão. O frade português se isolou durante os três meses de inverno num diminuto convento, que tinha como mantenedores os religiosos franciscanos que guardavam a gruta onde o fundador da ordem fazia seus retiros. Após este período de introspecção, que julgava fundamental de tempos em tempos, Frei Antônio retomou sua missão de pregador. Retornou a Florença para os sermões da Quaresma.
De novo seus dotes de pacificador foram requisitados, desta vez em Milão, para aplacar o conflito entre a Igreja e os valdenses, seita de seguidores de Pedro Valdo, um rico comerciante que, assim como os cátaros, refutava de maneira agressiva a interpretação da Igreja dada à Sagrada Escritura. Entre outras ações, os valdenses simplificaram e traduziram os textos bíblicos, buscando angariar mais seguidores. Também criticavam o culto às imagens e aos santos, praticado pelos católicos. Novamente, os sermões de Frei Antônio ajudaram a reconduzir muitos dissidentes de volta à Santa Igreja.
Após algumas semanas em Milão, Frei Antônio retomou suas obrigações como Superior Provincial dos conventos do norte da Itália e visitou Vercelli, Varese e Cremona, onde comandou a construção de uma igreja que levaria o nome de Francisco de Assis, recém canonizado pelo Papa Gregório IX. Já na cidade de Bréscia, trabalhou em prol de um novo convento em homenagem a São Pedro. Lá também pregou em meio aos hereges, conduzindo grande número para a fé cristã.
Apesar da alcunha de “Martelo dos Hereges” – recebida desde a época em que pregou entre os cátaros – e da contundência de seu discurso, os únicos golpes desferidos por Frei Antônio nos infiéis foram aplicados com as palavras que revelavam o amor de Cristo. Ao retornar a Pádua, no final de 1229, passou a morar num convento junto à Igreja de Santa Maria, que foi sua última residência oficial.
No ano seguinte, extenuado pela hidropisia que o acometia, pediu sua exoneração do cargo de provincial durante a reunião anual dos franciscanos. Apesar de não provocar dor, a patologia se apresentava com um de seus principais sintomas: o cansaço crônico.
Ainda assim, recebeu autorização de seus superiores para continuar proferindo suas palavras de fé aonde as sentisse necessárias. Foi-lhe dada, também, a missão de ir ao encontro de Gregório IX em Roma, para discutir o impressionante crescimento do número de franciscanos e os objetivos e normas de conduta traçados para os seguidores da ordem.
Alguns historiadores ressaltam que, nesse encontro, o Papa convidou o frei português a se estabelecer em Roma, ocupando o cargo de Cardeal. Antônio declinou do convite, fazendo entender ao Sumo Pontífice que sua atuação como pregador franciscano era interpretada por ele como um desígnio de Deus.
Na volta a Pádua teve que interceder em favor de um homem de bem, preso injustamente a mando de um latifundiário de nome Ezzelino, que era muito poderoso e tinha grande ascendência política dentro da cidade. Não foram poucas as vezes que Frei Antônio interveio a favor dos pobres e oprimidos.
A cidade, como muitas outras do norte da Itália, tinha uma lei que permitia que uma simples acusação, partindo de um agiota ou credor, e dirigida a qualquer pessoa, fosse suficiente para condenar o acusado a uma arbitrária pena de prisão perpétua. Quando tomou ciência de que um bom pai de família, impossibilitado de pagar sua dívida no prazo estipulado, foi vítima de tal injustiça, o frade português se pôs a vociferar contra o sistema. Sua ira ecoou junto à suprema autoridade da cidade, que dias depois, especificamente em 15 de março de 1231, revogou a iníqua lei.
As interferências em favor da população menos favorecida lhe garantiram um lugar especial no coração dos pobres de Pádua. Também por isso Frei Antônio era amado e venerado por aquela gente. Para eles, o destemido religioso português representava o esteio divino na Terra. Os injustiçados também foram beneficiados com sua luta por equidade. Exemplo maior foi a ocorrência do milagre no qual usou da bilocação para defender seu pai em Lisboa, quando este foi vítima de uma falsa acusação de assassinato.
A doença fatigava cada vez mais Frei Antônio. Ainda assim, durante a Quaresma em 1231, encontrou forças para proferir inspirados sermões, que foram considerados por muitos estudiosos de sua vida como cruciais para a evangelização de muitos simpatizantes das seitas heréticas. Promoveu, ainda, confissões em massa. Extenuado, resolveu se retirar para o pequeno Convento de Camposampiero, entre Pádua e Treviso, para descansar e tentar restabelecer as forças. Acompanharam-no Frei Lucas e Frei Rogério.
Ao chegar na pequena comunidade religiosa, o frade se encantou com uma enorme nogueira. Resolveu que dormiria nela, em busca de total contato com a natureza. Amicíssimo de Frei Antônio e proprietário das terras onde se instalou o pequeno convento, o Conde de Tiso prontamente mandou construir na árvore uma pequena armação de madeira, que serviu de cama para o religioso.
Os dias foram passando e Frei Antônio aparentava estar se sentindo melhor com o isolamento. No entanto, na manhã do dia 13 de junho de 1231, após a refeição, perdeu os sentidos. Momentos depois, quando recobrou a consciência, desejou retornar à residência no Convento de Santa Maria. Mesmo sendo desaconselhado pelos frades, recebeu a anuência de Frei Rogério, que sabia o quão determinado era o seu irmão quando resolvia algo. Acomodado numa carroça puxada por bois, seguiu com destino a Pádua, a poucos quilômetros dali. Já próximo à cidade seu estado piorou. Um frei de nome Inoto indicou uma parada no Convento de Arcela.
Respirando com muita dificuldade, Frei Antônio conseguiu se sentar num catre que lhe ofereceram. Rodeado pelos irmãos, recebeu a extrema-unção e cantou com dificuldade o Hino a Nossa Senhora da Assunção, aprendido com sua amada mãe ainda na infância. Como se estivesse em êxtase, elevou o olhar. Ao ser perguntado para onde olhava, com um fiapo de voz, respondeu: – Estou vendo o meu Senhor. Essas foram suas últimas palavras. Depois de proferi-las cerrou os olhos e faleceu.
Os franciscanos de Arcela tentaram, em vão, omitir a triste notícia, mas algumas crianças, que a tudo assistiram, correram a anunciar o falecimento do “padre santo”, como era conhecido Frei Antônio.
Venerado pela população de toda a região norte da Itália, a escolha do local de seu sepultamento provocou uma disputa entre as autoridades de Pádua e os moradores de Arcela, que armados, tentaram impedir o traslado do corpo do frei português. Apesar da intervenção do Bispo, os habitantes da pequena cidade não esmoreceram. Foi necessário que o Provincial franciscano fizesse um apelo e que as autoridades de Arcela ameaçassem com pena de prisão os líderes dos devotos de Frei Antônio para que o corpo pudesse ser levado a Pádua para o sepultamento.
Há registros de que o cortejo fúnebre foi o maior já visto até então na história da cidade. O corpo foi velado na Igreja de Santa Maria e foi visitado por toda a população de Pádua e de cidades vizinhas. De longe vieram milhares de homens, mulheres e crianças para prestar suas últimas homenagens àquele que devotou sua vida a ensinar o amor de Cristo. Seu sepultamento se deu quatro dias após seu falecimento, na própria igreja onde foi velado.
Menos de um mês depois do enterro de Frei Antônio, o Papa Gregório IX recebeu em Roma uma comitiva de cidadãos e religiosos de Pádua. Postulavam a canonização do religioso português, em documento assinado pelo Bispo diocesano e por professores da importante universidade da cidade italiana.
Admirador daquele que chamou certa vez de Arca do Testamento, e ciente dos inúmeros relatos referentes a seus milagres, o Papa deu início aos trâmites que, de acordo com uma minuciosa investigação, acabaram por levar o nome do frei franciscano ao catálogo dos santos.
Uma comissão formada por religiosos beneditinos e agostinianos ficou encarregada de apurar a veracidade dos prodígios de Frei Antônio. Após seis meses colhendo depoimentos de envolvidos e testemunhas, remeteram ao Papa um documento com a descrição de nada menos que 47 milagres, todos minuciosamente investigados e comprovados, de acordo com as rígidas normas dos avaliadores. Dando prosseguimento ao processo, Gregório IX enviou o resultado da pesquisa para apreciação de seus Cardeais, que concordaram com a canonização do frei português.
No dia 30 de maio de 1232, menos de um ano após seu falecimento, na Catedral de Espoleto, o Papa, em uma pomposa solenidade, fez a leitura dos milagres de Frei Antônio. Num clima de imensa emoção de todos os presentes, entre eles autoridades de Pádua, o Sumo Pontífice oficializou a canonização, proferindo as palavras ritualísticas: “Em honra e louvor da Santíssima Trindade, inscrevemos o Servo de Deus Frei Antônio, confessor da Ordem dos Frades Menores, no Catálogo dos Santos, e ordenamos que a sua festa seja celebrada anualmente no dia 13 de junho”.
Treze dias após a cerimônia de canonização de Santo Antônio, a população de Pádua pode comemorar a vida e o legado de Frei Antônio, definitivamente entronizado dentro da fé católica.
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