Imagine uma pitoresca cidade de interior, com uma pracinha, igreja, coreto, crianças brincando pelas ruas e um povo muito hospitaleiro. Essa cidade se chama São José do Barreiro.
O município surgiu com a formação das fazendas de café e a construção do Caminho Novo da Piedade, ligando a cidade do Rio de Janeiro a Vila Rica (atual Ouro Preto) pelo interior. Assim eram evitados os ataques marítimos de corsários, que atuavam por toda a costa colonial brasileira.
Como as minas no interior do Brasil gradualmente foram se exaurindo, Portugal perdeu a principal fonte de sustentação de seu império colonial. Passou então a procurar atividades alternativas para dar continuidade à exploração de sua colônia mais importante. Tal alternativa mais viável acabou sendo a produção de café.
Com o advento das Guerras Napoleônicas, houve o colapso da produção de café antilhana, exatamente ao mesmo tempo em que a demanda por tal produto estava crescendo, especialmente no mercado norte-americano, que passou a utilizar o café como substituto do chá, que era um produto comercializado pela Inglaterra, sua ex-metrópole. Tal fator foi um dos grandes motivadores à expansão da plantação do café no Brasil.
Formação da vila
Após a abertura do Caminho Novo da Piedade, iniciou-se um intenso movimento de tropeiros pela região das imediações do Rio Barreiro, que se tornou um enorme atoleiro que, na época das cheias, dificultava a passagem. Em tal local foi estabelecido um rancho para o pouso de tropeiro, com algumas casas de ferreiros. Com a expansão do café pelas redondezas, novas fazendas e casas foram construídas na vila que nascia e que, futuramente, se tornaria a atual cidade de São José do Barreiro.
Na época em que o transporte era feito essencialmente por animais de carga, os ranchos eram usados para o descanso dos tropeiros e animais. Tais locais se transformaram em importantes pontos de comércio. Eram situados geralmente próximos a uma aldeia ou junto de uma venda onde se pudesse adquirir alimentos.
Os ranchos eram grandes telheiros apoiados em quatro colunas, e serviam para abrigar as mercadorias e os tropeiros. Pagava-se por animal ou pela carga transportada.
O Capitão João Ferreira de Souza fundou a igreja de São José e é também considerado como o fundador do município em 1818. Além disso, era o proprietário da Fazenda Pau d’Alho. Leia post sobre a Fazenda Pau d’Alho.
A Casa de Cadeia e Fórum locais foram construídos por Euclides da Cunha, um renomado e frequente visitante das cidades da região. Tal construção está muito bem preservada até os dias de hoje.
No entanto, antes de ser um município independente, a cidade foi território de Areias e também de Bananal.
Evolução do período do café
Em 1790, as lavouras de café começaram a ser plantadas em Areias, Bananal, Silveiras e São José do Barreiro. Esta atividade se expandiu tão rapidamente e de forma tão bem-sucedida que no século XIX o Vale do Paraíba se tornou o maior produtor de café do mundo. Porém, havia um problema. Tais cafezais foram plantados na posição vertical, devido ao relevo local, proporcionando a lavagem do solo e, consequentemente, acelerando o processo de erosão dos solos da região.
A mão de obra utilizada nas plantações de café era de origem escrava africana. As condições de trabalho dos mesmos eram duríssimas. Acordavam muito cedo, antes do sol raiar, andavam a pé ou de carro de boi até os cafezais para realizarem a limpa e a colheita. O almoço era realizado às 10h. A alimentação dos escravos era baseada em angu, farinha de mandioca, feijão, rapadura, gengibre, um doce feito de cidra e, eventualmente, carne seca. Trabalhavam até as 16h. Jantavam o mesmo cardápio do almoço e voltavam a trabalhar até escurecer.
Após a chegada da noite, retornavam à sede da fazenda para fazerem o beneficiamento do café e limparem os grãos, enquanto um outro grupo preparava a alimentação para o dia seguinte. Apenas depois de todas essas tarefas é que eles retornavam às senzalas para descansar. Costumavam dançar à noite e cantavam músicas em homenagem à Mãe África e praticavam a capoeira.
No entanto, o trabalho não terminava. Era necessário o transporte do café ensacado, em lombo de muares, até os portos. Os tropeiros faziam continuamente tal trajeto, passando por barreiras, onde eram cobradas taxas de passagens de animais e veículos, exatamente como os pedágios dos dias de hoje, para serem aplicados na conservação das estradas. Além disso, também eram pagas taxas sobre os gêneros transportados.
Ouro verde e seu declínio
Como havia uma grande circulação de tropeiros entre São José do Barreiro e Mambucaba, foi necessário criar um calçamento de pedras, que ainda é visível até hoje em boa parte do trajeto.
O período de 1818 a 1829 foi o período áureo do café, quando foram construídas grandes fazendas produtoras do produto, que era exportado em sua maior parte. Esta também foi a época dos coronéis e majores da Guarda Nacional. Com os lucros obtidos com o café, alguns fazendeiros mais ricos passaram a contratar tropeiros e formar suas próprias tropas, além de construírem carros de boi para o transporte da mercadoria preciosa, o ouro verde, como era apelidado o café.
Com o declínio da produção cafeeira, a cidade foi afetada de forma negativa, especialmente durante a crise de 1929, quando o Presidente Getúlio Vargas ordenou que o café fosse queimado, para tentar manter um preço mínimo para o produto. Neste período, muitas fazendas de café foram vendidas para outros fazendeiros que passaram a plantar fumo ou usá-las para a pecuária.
Povo acolhedor
Atualmente o turismo exerce um papel importante na economia da cidade. Eu mesmo visitei a cidade e me senti muito acolhido por sua gente hospitaleira. Pude almoçar uma comida deliciosa no Restaurante Rancho, cujo proprietário, o Sr. Rogério, é muito gentil e atencioso. Em tal ocasião pude saborear a deliciosa cerveja artesanal Ben & Dita, produzida localmente, e que possui várias opções de sabores.
São José do Barreiro é conhecida com o “Paraíso do Trekking” no Brasil. A cidade oferece trajetos na Serra da Bocaina, a Cachoeira de Santo Izidro, a Cachoeira do Veado e a Trilha do Ouro (Verde), que era usada para transportar o ouro de Minas Gerais até o Rio de Janeiro e que, atualmente, pode ser percorrida em uma travessia de 3 dias, ligando o Vale do Paraíba ao mar.
Não deixe de visitar a cidade de São José do Barreiro nem a linda Fazenda Pau d’Alho. Você poderá mergulhar na história do Brasil e vivenciar locais tão importantes e marcantes do ciclo cafeeiro no Brasil, além de saborear a deliciosa cozinha local e conhecer seus habitantes tão amigáveis. Boa viagem!
Por Marco André Briones – [email protected]
Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em julho de 2018.
Bibliografia usada:
História de São José do Barreiro: Período do Pré Café e no Tempo Áureo do Café, de Prof. Benedito Rodrigues S. Neto.
Fazenda Pau d’Alho – Roteiro de Visitação, de Antonio Luiz Dias de Andrade, Carlos G.F. Cerqueira e José Saia Neto.
Com agradecimentos especiais ao Prof. Benedito Rodrigues S. Neto e a Beatriz de Carvalho Grandchamp Martins (Prefeitura de São José do Barreiro).