Depois de 5 dias percorrendo as estradas do famoso Parque Estadual do Jalapão (contamos como foi a experiência em outro post), fotografando ao vivo e em cores as belíssimas paisagens da região, tão reverenciadas e com fama consolidada no segmento de ecoturismo, partimos para a segunda parte de nossa expedição pelo Estado do Tocantins, desta vez para conhecer as Serras Gerais, ainda pouquíssimo divulgadas e exploradas quando comparadas ao nosso primeiro destino.
As Serras Gerais, situadas no sudeste tocantinense, fazem parte da maior cadeia de serras do Brasil e seus atrativos estão espalhados por vários municípios, tais como Natividade, Almas, Dianópolis, Rio da Conceição e Aurora do Tocantins. Nosso roteiro de 4 dias foi montado pela Seriema Ecoturismo (@seriemaecoturismo no Instagram), dos queridos Fernanda Castro e Hiro Isogai. É uma pequena agência tocada por seus donos concomitantemente às suas profissões principais, uma vez que o turismo na região ainda é incipiente. Vale citar também que é a única agência que leva os visitantes a todos os municípios da região com atrativos de interesse, em seu possante 4×4, muitas vezes em parceria com outros profissionais, a fim de garantir a melhor experiência local.
A propósito, mencionamos esta informação aqui (de que a agência é pequena e seus donos não trabalham exclusivamente com turismo) apenas para ressaltar o contraste do que vimos no Jalapão, explorado por inúmeras empresas, algumas de grande porte. A Seriema é pequena apenas no tamanho, mas gigante na sua luta contínua para divulgar as belezas da região, acolher os visitantes, difundir a consciência ambiental e gerar empregos e oportunidades de empreendedorismo na comunidade local. Como poderão acompanhar a seguir, há vários pontos turísticos de fácil acesso, mas não deixem de contratar uma agência local – nada melhor do que interagir com o pessoal nativo para vivenciar de forma mais autêntica a sua viagem.
Com o roteiro todo montadinho, nosso papel resumiu-se a “deixar-nos levar” e curtir. Após um pernoite em Palmas, partimos da rodoviária da cidade para uma viagem de mais de 6 horas até Dianópolis – é um trajeto de cerca de 340 km em boa estrada asfaltada, mas o ônibus faz nada menos que oito paradas pelo caminho, daí a demora! Dá para apreciar inúmeras paisagens pela janela do busão e até engatar um bom papo e fazer amizades durante o longo trajeto.
A Seriema, além de ter feito a gentileza de comprar nossas passagens rodoviárias, providenciou o transfer de Dianópolis para Rio da Conceição, uma distância de 30 km. Em Rio da Conceição, ficamos hospedados no Quintal de Casa, que é ao mesmo tempo a casa da Dona Eliene Lima, a pousada, o camping e o restaurante que ela toca com dedicação sem igual. Sentimos como se fosse nossa própria casa nos 5 dias em que fomos acolhidos por lá. Dona Eliene é uma visionária e tem uma história de vida impressionante. Um encontro para lá de especial que só uma viagem para longe de nossa zona de conforto pode nos proporcionar (desculpem o clichê!).
Nos fundos do Quintal de Casa, corre o Rio Manuel Alves, um importante afluente do Rio Tocantins. Depois da longa viagem rodoviária de Palmas a Dianópolis e, por fim, a Rio da Conceição, foi um presente poder refrescar os pés em suas águas e curtir o primeiro pôr do sol em Serras Gerais. De quebra, também fomos brindados com a presença de araras e tucanos.
Começamos nossa aventura nas Serras Gerais pelos atrativos de Rio da Conceição: a Lagoa da Serra e um passeio chamado 17 Travessias. O caminho para a Lagoa da Serra, por uma estrada arenosa, já é um espetáculo à parte: a vegetação do cerrado a perder de vista e, dominando o horizonte, uma sucessão de belíssimas serras que, a cada ângulo, revelavam novas formas e contornos, em paisagens de tirar o fôlego. A vontade era de parar a toda hora para fotografar.
De tirar o fôlego também é a visão que temos logo na chegada à Lagoa. Vasta, de águas azuis cristalinas (reza a lenda que têm poder de cura), com muitos peixinhos nadando, margeada por uma prainha de areia branca e emoldurada ao fundo por uma serra fantástica – todos os elementos da paisagem em uma perfeita composição poética. Atrás da serra já é o Estado da Bahia. Como era uma terça-feira, tivemos o privilégio de desfrutar do local com exclusividade. Há estrutura de banheiro e é permitido o camping na área.
Em seguida fomos ao passeio das 17 Travessias. Depois de uma trilha curta e íngreme, é preciso colocar capacete e vestir colete para a atividade: a aventura tem início em uma piscina de uma pequena cachoeira e consiste em uma sequência de “sobe e desce” por caminhos de pedras e “entra e sai” de poço em poço; daí o nome do passeio, já que são 17 poços a atravessar.
Além de divertida e refrescante, é uma travessia muito bonita, pelas paisagens que vamos descobrindo ao longo dela, cada poço com sua beleza singular. A volta é feita pelo mesmo trajeto da ida. Depois de muita adrenalina, o passeio terminou com uma leve trilha até a bela Cachoeira do Brejo Limpo, com aproximadamente 25 m de queda; outro lugar que pudemos curtir com exclusividade, sem ninguém mais por perto.
Em Rio da Conceição, ainda há outros atrativos, como a Cachoeira do Cipó e a Cachoeira do Cavalo Queimado; nesta última, é possível fazer boia cross. É preciso dispor de mais dias para conhecer e curtir melhor o local. Nós encerramos o dia em um mirante, de onde pudemos apreciar o pôr do sol – mais um! – e novamente uma vista espetacular das serras que embelezam a região, com direito de novo à passagem de araras e tucanos, além de queijos e vinho! Um luxo.
Se o primeiro dia nas Serras Gerais já foi amor à primeira vista, o segundo revelou-se ainda mais apaixonante e surpreendente. Neste dia fomos conhecer os atrativos de outro município que compõe as Serras Gerais, Dianópolis. Guiados pelo Santiago (@serrasgerais no Instagram – celular 63-99299-0790), tivemos uma verdadeira aula de botânica, zoologia, história, paleontologia e até espeleologia, e todos ficamos encantados pela diversidade de seus saberes e entusiasmo.
A primeira trilha do dia foi pelo Vale Encantado (aproximadamente 5 km) e o local faz jus ao nome. Pudemos apreciar uma sucessão de vegetações singulares, conhecer diversas espécies de plantas, observar interessantes formações rochosas, até que a caminhada culminou na chegada a um imenso portal, todo decorado com espeleotemas. Aqui pudemos ficar um bom tempo fotografando e apreciando cada detalhe, devaneando como o tempo encarregou-se de “desenhar” um lugar tão impressionante.
Após passagem pelo portal, seguimos por uma trilha bastante sombreada, muito agradável, aquática em alguns trechos, até a Cachoeira da Ré, assim chamada porque a água que cai volta para a parte detrás da própria queda e, segundo o guia Santiago, só vai reaparecer em outro ponto bem mais adiante.
Depois de curtir a Cachoeira da Ré, foi preciso subir um pequeno trecho com o auxílio de corda, no único ponto um pouco mais difícil da trilha. Na sequência, uma breve parada na Cachoeira das Orquídeas, dentro de uma propriedade particular, para um lanche.
No caminho para o último atrativo do dia, a Fortaleza dos Guardiões, vimos interessantes formações rochosas à beira da estrada, fotografadas de dentro do carro mesmo. Até que nos deparamos com uma imensa plantação de algodão e, embora estivéssemos com o tempo um pouco apertado para chegar ao nosso destino para o pôr do sol, foi impossível não fazer uma pausa para fotos – como não se extasiar com uma surpresa dessas pelo caminho?!?!
E como para quem gosta de fotografar a brincadeira nunca acaba, depois que o sol se pôs totalmente, ainda ficamos um tempo por ali e até rolou uma brincadeira de light painting.
No terceiro dia, rumamos a Aurora do Tocantins, mais um município do circuito das Serras Gerais. Nosso primeiro destino foi o Rio Azuis, o menor rio do Brasil, com 147 m de extensão. De onde se estaciona o carro até o rio, são apenas alguns metros de caminhada. Assim como na Lagoa da Serra, a visão que se tem logo ao chegar é impactante. O próprio nome revela a cor da água deste pequeno rio e sua transparência lhe confere uma visibilidade incrível, quase surreal. As fotos não fazem jus à beleza do lugar: só indo mesmo pessoalmente para conferir e acreditar que este lugar existe. Estranhamente foi construída uma espécie de “arquibancada” de cimento em uma margem do rio, mas a beleza do local faz com que esqueçamos essa bizarrice.
Mais adiante, também é possível entrar na água no ponto onde o Rio Azuis encontra-se com o Rio Sobrado. Vimos muitas placas com alertas sobre despejo irregular de lixo e até um quadro, perturbador, feito com objetos encontrados no leito do rio. Imaginamos que, nos fins de semana, com um fluxo mais intenso de visitantes, haja problemas com relação à limpeza do local. Esperamos que o trabalho de conscientização ecológica que vem sendo feito esteja trazendo bons resultados, pois o lugar é um paraíso.
Após almoço no restaurante Agenda 21, pegamos mais estrada de terra, desta vez para a Praia do Pequizeiro. O atrativo fica dentro de uma propriedade particular e do local onde se estaciona o carro até a “praia doce”, à beira do Rio Ribeirão, é preciso fazer uma caminhada muito breve. Aqui também a cor da água impressiona e sua temperatura agradável é um convite para um bom banho.
A Praia do Pequizeiro também é um paraíso – não queremos ser repetitivos, mas não tem como usar outra palavra para definir o local – e a vontade era de ficar ali, sem ter hora para voltar.
Na sequência, fizemos uma parada aos pés do majestoso Morro da Rainha. Um local fotogênico, com vegetação típica do cerrado, um bonito capinzal balançando ao sabor do vento e vários buritis enfileirados para fazer uma composição perfeita para fotos.
E por fim, fizemos uma trilha de pouco menos de 1 km, dentro de outra propriedade particular, para conhecer a Cachoeira do Sombra, uma bela queda das águas do rio de mesmo nome. Não precisamos dizer que a cor da água é incrível, precisamos? E esta cachoeira foi mais um atrativo das Serras Gerais que pudemos aproveitar com total exclusividade.
No quarto e último dia nas Serras Gerais, percorremos a maior distância em km desde Rio da Conceição – uma boa parte em asfalto e outro tanto em estrada de terra – para conhecer as belezas naturais do município de Almas. Em Almas, nos juntamos ao condutor Alminha (celular 63-99208- 0515), que também nos apresentou várias espécies de plantas ao longo das trilhas e é o responsável pelas atividades de ancoragem descritas a seguir.
Até este dia, já falamos que havíamos conhecido uma sequência de paraísos, mas o que estava por vir era, sem dúvida, o paraíso dos paraísos: o Vale dos Pássaros, onde vivem Seu Davi Mendes e sua esposa, Dona Antônia. Tipo raro de seres humanos, ambos nos receberam com sua simplicidade cativante, fazendo questão de memorizar logo de início o nome de cada um do grupo. Os cachorros da família também nos receberam afetuosamente, como só os melhores amigos do homem sabem fazer.
Para hospedar os turistas, o casal recentemente construiu em seu terreno um simples e aconchegante chalé de madeira, com 5 quartos (sendo 2 suítes) e uma varanda enorme com bancos e redes para descanso – cabe mencionar que havia uma equipe fazendo melhorias para permitir a captação de energia solar. Se soubéssemos de antemão que era possível pousar ali, com certeza teríamos solicitado reserva pela Seriema – imaginem que experiência, um lugar sem energia elétrica, sem sinal de celular, sem wifi, em conexão com o que há de mais belo na natureza e nas relações humanas! Um sonho que fica para realizarmos mais para frente.
Também conhecemos a pequena casa de taipa do casal, onde nos serviram um bom café e biscoitos caseiros. Ouvimos um pouco da história de vida deles, do quanto se dedicam a preservar a natureza do local, de como é o seu dia a dia (eles plantam, fazem compostagem, cuidam dos animais silvestres que frequentam o seu quintal, mantêm uma biblioteca), e a vontade de continuar a prosa, sem compromisso com o relógio, era enorme, mas estávamos ali também para conhecer dois belos atrativos: a Cachoeira do Urubu-Rei e a Cachoeira da Cortina.
Por sorte, logo no início da caminhada, já pudemos avistar o majestoso urubu-rei, a ave que dá nome a uma das cachoeiras da propriedade, no alto de uma árvore. A trilha, de quase 4 km, não é difícil e passamos por alguns trechos encharcados de veredas e onde finalmente pudemos ver o capim dourado crescendo. A Cachoeira do Urubu-Rei cai por um paredão verde de cerca de 60 m de altura e forma um poço grande para banho. O volume de água é considerável mesmo na época de seca! Não fomos conhecer a Cachoeira da Cortina por baixo, já que estava programado vê-la por cima.
Depois de pouco mais de 2 horas de trilha, voltamos para a casa do Seu Davi e da Dona Antônia. Ao saber que alguns do grupo estavam um pouco indispostos, Seu Davi logo apareceu com um chá para aliviar o mal-estar e ainda armou redes e nos trouxe chinelos, para que pudéssemos descalçar as botas de trilha e descansar antes do almoço. Quanto carinho e atenção!
O almoço delicioso feito pela Dona Antônia foi servido ao ar livre, debaixo de uma frondosa mangueira. A oração que fizeram por nós, pedindo que Deus protegesse nosso caminho e que o nosso metabolismo voltasse a funcionar normalmente, foi tão afetuosa que ainda reverbera na memória. Depois de tamanha acolhida, foi difícil partir dali! Por isso, não custa repetir: recomendamos a todos que fiquem pelo menos uma noite na pousada do Seu Davi e da Dona Antônia, porque é um paraíso para desfrutar sem pressa.
Seguimos para conhecer a Cachoeira da Cortina por cima. No seu topo, há uma pequena queda que cai em degraus e forma um poço com borda infinita, onde os mais corajosos podem chegar devidamente ancorados por corda. Nenhum de nós quis se aventurar, mas mesmo não sentando na borda da cachoeira, o panorama que se tem, do cerrado estendendo-se infinitamente lá embaixo, é fantástico.
Foi também por cima que fomos conhecer o Cânion Encantado. De uma beleza impressionante, é uma fenda de quase 80 metros de altura, onde os mais corajosos também podem fazer ancoragem – como se fosse o início de um rapel, a pessoa fica pendurada bem na borda do cânion, para visualizar, em um ângulo privilegiado, toda a extensão do cânion, as cachoeiras e o rio correndo lá embaixo. Para quem não tem este espírito aventureiro, é possível caminhar ao longo da borda do cânion, de onde se tem vários ângulos para apreciar a beleza do local. É possível também fazer a trilha do Cânion Encantado por baixo (cerca de 2 km), acompanhando o curso do rio – esta experiência vai ficar para a próxima.
Para fechar o dia, percorremos mais alguns quilômetros de estrada de terra para apreciar o pôr do sol no Arco do Sol, uma formação rochosa que se destaca em meio ao cerrado e que muitos consideram mais bonita que a Pedra Furada do Jalapão. Não ousamos comparar a beleza de ambas, cada qual com sua grandiosidade, mas podemos comentar que, enquanto a Pedra Furada é movimentadíssima especialmente ao entardecer, tivemos o Arco do Sol exclusivamente para o nosso grupo, o que nos garantiu momentos de contemplação realmente especiais. Pudemos fotografar com calma, sem ter que fugir da presença de outros seres humanos, explorando as mudanças de tonalidade no céu, as texturas do paredão e de brinde, ouvindo a cantoria das aves.
Depois de mais um lindo pôr do sol, realizamos o longo retorno para Rio da Conceição, na companhia de uma Lua Cheia esplendidamente brilhante no céu, para fechar com chave de ouro nossa breve estada nas Serras Gerais. Diferentemente do Jalapão, estivemos praticamente sós em quase todos os belíssimos atrativos naturais da região, mas acreditamos que logo este destino pacato ganhará visibilidade e fama; rezando para que, ao mesmo tempo em que traga prosperidade e desenvolvimento para a comunidade local, também seja respeitosamente preservado e cuidado.
Por Carla Pastori e Caroline Maki. Abaixo, um pouco sobre elas.
“A única verdade é que a fotografia é minha vida. Todas as minhas fotos correspondem a momentos intensamente vividos por mim. Todas existem porque a vida, a minha vida, me levou até elas.” Esta é uma de nossas frases preferidas das tantas inspiradoras ditas pelo aclamado fotógrafo Sebastião Salgado, de quem somos admiradoras, pelo seu trabalho, seus ensinamentos, sua forma de enxergar o mundo. Para nós também, fotografia é vida. É por meio dela, a fotografia, que temos tido a oportunidade de aliar duas coisas que preenchem nosso tempo com aquela gostosa sensação de plenitude: estar em contato direto com a natureza na companhia de amigos.
Nos últimos anos, temos saído para diversas expedições fotográficas. Não é uma viagem, digamos, “comum”, que dê para fazer junto com outras pessoas cujo objetivo principal não seja fotografar. O ritmo de caminhada é bem diferente, temos horários a cumprir para aproveitar a melhor luz, muitas vezes saímos enquanto todos ainda dormem.
Por meio de nossos relatos, esperamos transmitir porque nos tornamos amantes da fotografia e porque viajamos para fotografar. É poder sair, por algum tempo, da loucura urbana, e trocá-la pelo contato potente e poético com a natureza, a diversidade cultural e a sabedoria das pessoas com as quais cruzamos por aí, percebendo, enxergando e retratando o mundo ao redor com nosso olhar particular.
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