FICHA TÉCNICA
ANO DE LANÇAMENTO | 1983 |
PRODUZIDO POR | HUGH PADGHAM |
MÚSICOS PRINCIPAIS | TODAS AS LETRAS E CANÇÕES DE STING, EXCETO: STEWART COPELAND – FAIXA 5 ANDY SUMMERS – FAIXA 4 STING & ANDY SUMMERS – FAIXAS 11 E 12 STING – VOCAL, BAIXO, TECLADOS, BATERIA ELETRÔNICA, SEQUENCER, SAXOFONE, OBOÉ E FLAUTA ANDY SUMMERS – GUITARRAS, BAIXO, BACKING VOCALS, TECLADOS, VOCAIS EM “MOTHER” STEWART COPELAND – BATERIA, MARIMBA, PERCUSSÃO, CO-VOCAL EM “MISS GRADENKO” MÚSICO CONVIDADO: TESSA NILES – BACKING VOCALS |
LISTA DE CANÇÕES DO ÁLBUM
1 | SYNCHRONICITY 1 |
2 | WALKING IN YOUR FOOTSTEPS |
3 | O MY GOD |
4 | MOTHER |
5 | MISS GRADENKO |
6 | SYNCHRONICITY 2 |
7 | EVERY BREATH YOU TAKE |
8 | KING OF PAIN |
9 | WRAPPED AROUND YOUR FINGER |
10 | TEA IN THE SAHARA |
11 | MURDER BY NUMBERS |
12 | ONCE UPON A DAYDREAM |
ORIGENS DO ÁLBUM
Em 1981 o The Police lançou o excelente álbum “Ghost in the Machine”, no qual havia grandes clássicos da banda como “Spirits in the Material World”, “Invisible Sun” e “Every Little Thing She Does is Magic”. Fizeram uma longa tour internacional de grande repercussão, que inclusive passou pelo Brasil. Por todos esses fatores, a banda se tornou uma das maiores do planeta.
O grande sucesso e reconhecimento que o The Police obteve nessa fase veio com um grande custo emocional para seus integrantes. Ambos Sting e Andy Summers tiveram seus casamentos arruinados pela pressão constante do processo ininterrupto de tours, gravações e viagens pelo mundo. Seus relacionamentos conjugais foram profundamente abalados e destruídos por seus constantes e prologados períodos de ausência, até atingirem uma situação irreversível. Além disso, ambos sofreram muito por não terem podido acompanhar o crescimento de seus filhos, já que ambos se tornaram pais antes do reconhecimento internacional do The Police.
Além dos problemas familiares, havia uma tensão constante entre os membros da banda, com muitos conflitos e brigas, particularmente entre Sting (baixista, vocalista, compositor principal e líder de fato da banda) e Stewart Copeland (baterista), o fundador do The Police. Ambos queriam liderar o grupo e discordavam em praticamente tudo, desde o nível pessoal até o musical. Essa constante fricção entre ambos gerava um contínuo desconforto e a certeza de que a parceria musical entre os três talentosos músicos não duraria muito tempo. A atuação de Andy Summers (guitarrista) foi a de um pacificador, tentando acalmar os ânimos das outras duas partes. Ele conseguiu alcançar algum sucesso com seus esforços diplomáticos, embora sempre soubesse que, mais cedo ou mais tarde, a banda iria se desfazer e Sting partiria para sua sonhada carreiro solo. Ele já havia declarado abertamente à Summers e Copeland que no momento que o grupo não fosse mais útil para ele, que os deixaria imediatamente.
Ao ser questionado sobre a importância do grupo em sua vida, respondeu: “O grupo é apenas uma parte de nossas vidas. Não é tudo o que somos ou que queremos da vida. Se fosse, seria horrível. Eu não conseguiria suportar. Necessito de uma vida privada e de modos individuais de expressão”.
Quanto à predominância de suas canções em todos os álbuns, afirmou: “Eu queria que apenas as minhas canções fossem gravadas. Eu achava que era a melhor coisa que a banda poderia fazer. Tive de lutar a cada minuto. Era desgastante e difícil”.
Sting nunca escondeu sua enorme ambição em alcançar o topo do sucesso e da fama, continuamente trabalhando duro para fazer com que sua banda se tornasse a maior do mundo. Ele sempre foi um grande fã declarado dos Beatles, particularmente de Paul McCartney, e queria seguir os passos da maior banda da história, em cada uma de suas conquistas.
Em uma entrevista declarou o seguinte: “Os Beatles foram a banda mais popular de todos os tempos e nosso objetivo é superá-los.” Prosseguindo, afirmou: “Eu sempre quis ser o melhor. Eu sou um egoísta. Eu não subiria em cima do palco e faria o que eu faço se eu não fosse extremamente confiante em tudo que eu faço. Eu acho que seria falso da minha parte ser modesto. Eu acredito que eu sou um grande compositor e cantor”.
Seu sentimento antes da gravação de “Synchronicity foi o de que eles tinham que mudar o som pelo qual eram reconhecidos e haviam se tornado famosos, pois existia muitos outros grupos que tentavam clonar o som deles, como o “Men at Work”. Se por um lado se sentia lisonjeado, por outro, sentia que chegara o momento de experimentar algo diferente.
Para isso, ele precisava compor um novo álbum, com canções e letras extraordinárias, que marcassem profundamente os ouvintes e fãs da banda. Algo que levasse o The Police ao topo das paradas de todo o mundo e, definitivamente, fizesse de sua banda a número 1. No entanto havia uma questão a ser resolvida. Sting declarou: “O problema é que eu sou um compositor rico e bem-sucedido. Sobre o qual assunto eu irei escrever agora?”
Para solucionar essa questão, decidiu se isolar de tudo e de todos, alugando uma casa na Jamaica por alguns meses, chamada “Golden Eye”, a qual havia pertencido a ninguém menos que Ian Fleming, o célebre autor inglês, criador do lendário personagem “James Bond”. Sting usou a mesma escrivaninha que Fleming usara anteriormente para compor suas novas canções e letras, que foram profundamente inspiradas pelas obras dos escritores Arthur Koestler, autor de “Roots of Coincidence” e do grande mestre austríaco da psicanálise, Carl Gustav Jung, e sua obra “Synchronicity”. Andy Summers já havia feito terapia junguiana antes que Sting e era um admirador da obra do grande mestre austríaco. No entanto, só revelou isso ao seu colega baixista ao vê-lo lendo a autobiografia de Jung, intitulada “Memórias, Sonhos e Reflexões”.
Sting sentiu-se tão inspirado que teve a certeza de que suas novas canções, juntamente com o novo álbum, levariam o The Police ao topo, ainda que isso significasse o fim da banda. Para ele, valeria a pena o sacrifício. A coleção de canções compostas por Sting foi lançada no quinto e último álbum da curta, mas profundamente rica, carreira de sua banda
Na hora de escolherem a sequência das faixas do álbum, ninguém consegui chegar à um acordo até que Andy Summers sugeriu: “Por que não colocamos as faixas mais rápidas e agitadas no lado A e as mais lentas no lado B?” Pareceu uma ideia absurda, mas ela foi aceita pela banda.
O novo álbum foi batizado de “Synchronicity”, em homenagem à Carl Jung, e Sting conseguiu atingir seu objetivo: O The Police se tornou a maior banda do mundo.
ANÁLISE DO ÁLBUM – FAIXA A FAIXA
Synchronicity 1
A canção título e que abre o álbum aborda o conceito desenvolvido por Carl Jung, relativo às coincidências e como as coisas se conectam, sem que haja aparentemente uma relação lógica entre os eventos. Algumas vezes há acontecimentos que não são ligados de uma maneira lógica, mas simbolicamente e emocionalmente eles o são.
Andy Summers declarou em uma entrevista que essa canção foi tão difícil de gravar que em uma determinada noite ele e Stewart Copeland ficaram exauridos com a gravação e deixaram o estúdio para irem dormir. Ao voltarem no dia seguinte ficaram sabendo que Sting havia passado a noite em claro, trabalhando sozinho na canção até que ela estivesse totalmente pronta, pois era uma canção pessoalmente muito importante para ele, que havia passado por um período de terapia junguiana para tentar superar o trauma de seu recente divórcio.
Musicalmente, é uma faixa muito energética, rápida, dinâmica, repleta de referências à Jung e a sua obra. Sem dúvida, uma grande faixa de abertura para esse álbum inesquecível.
Walking in Your Footsteps
Inspirada em uma fotografia de Sting tirada no Museu de História Natural de Nova York, na qual ele se encontra dentro das costelas de um dinossauro, essa é uma das canções mais diferentes e exóticas de toda a carreira do The Police. Não há nada semelhante em nenhum outro álbum deles. São usados instrumentos primitivos, como flautas e tambores, todos eles com a finalidade de remeter o ouvinte à pré-história e à época em que os dinossauros viviam na terra.
Há 15 milhões de anos atrás nosso planeta foi habitado por tais criaturas enormes, donos do planeta, reinando sobre o mundo todo. No entanto, não poderiam esperar que acabariam se tornando extintos, nos deixando apenas suas ossadas e pegadas no solo como vestígios. Sting nos mostra que os seres humanos meramente seguem as pegadas dos dinossauros.
Será que nós não estaríamos seguindo o mesmo caminho? Será que a humanidade não poderia aprender uma lição com a extinção dos dinossauros? Esses são alguns dos questionamentos feitos por Sting nessa faixa ao mesmo tempo bela e incomum.
O My God
Embora a palavra religião venha do latim “ligare”, que significa conectar, Sting analisa que, ao contrário disso, em toda a história da humanidade, poucas instituições separaram tanto as pessoas quanto as diferentes religiões existentes no planeta.
O personagem da canção se mostra irritado, zangado com Deus, pois todas as pessoas que ele conhece são solitárias, sem amor em suas vidas e vivem distantes umas das outras. Pede para Deus preencher o espaço entre as pessoas de alguma maneira.
Avisa à Deus que não espere que ele lhe dê a outra face, em uma clara citação bíblica em Mateus 5:39, pois ele está machucado, frustrado e revoltado com o tratamento que vem recebendo da divindade suprema desde o dia que nasceu.
Sting chega ao ponto de chamar a atenção de Deus, pedindo que ele acorde, pois não é possível que não esteja vendo tanta desigualdade no mundo entre os seres humanos, especialmente entre os ricos e os pobres.
Além disso, essa canção iniciou uma tradição na obra de Sting, na qual ele faz uma autocitação, sempre mencionando uma faixa do álbum anterior que, nesse caso, foi “Every Little Thing She Does is Magic”. O seu intuito foi o de mostrar que, na realidade, todas as canções do mundo são uma só, formando um todo indivisível.
Mother
Andy Summers parece não ter sido muito feliz com sua composição totalmente solo selecionada para o álbum, que é um relato paranoico no qual o personagem tem um relacionamento totalmente doentio e perturbado com sua mãe, que nunca lhe dá sossego, dominando totalmente sua vida e inviabilizando o seu relacionamento com qualquer outra mulher. Ele deixou muito claro que não compôs a canção pensando em sua mãe, com a qual tinha um ótimo relacionamento.
Sting não quis a cantar nessa faixa, e apenas tocou seu baixo. Isso levou Andy Summers a cantá-la, além de gravar as guitarras. Stewart Copeland aceitou participar normalmente, tocando sua bateria.
Andy Summers tem outras composições muito melhores do que essa em sua carreira, como “Omegaman”, do álbum anterior. É uma pena que não tenha lançado uma outra tão boa nesse álbum. As duas faixas finais do álbum, compostas por ele em parceria com Sting, são bem melhores.
Miss Gradenko
Uma composição agradável de Stewart Copeland, na qual ele e Sting dividem os vocais. Embora não seja memorável, musicalmente não destoa do álbum como a faixa anterior. Copeland também teve momentos melhores em suas composições nos álbuns anteriores do The Police, como “Does Everyone Stare”, “The Other Way of Stopping” e “Darkness”.
Um acontecimento muito curioso ocorreu durante as gravações do álbum, quando a tensão no estúdio chegou à níveis insuportáveis. Eles estavam gravando na ilha de Montserrat, no Caribe, no famoso “Air Studios” de propriedade do lendário George Martin, produtor dos álbuns dos Beatles. Eles decidiram pedir ajuda a Martin. Quem sabe ele pudesse socorrê-los e ajudá-los a terminar o álbum? O escolhido para procurar o maestro foi Andy Summers, que foi a pé até sua casa. Tocou a campainha e foi atendido pela empregada da casa, que chamou George Martin, que veio recebê-lo e o convidou para entrar, pois estava ciente da presença do The Police gravando em seu estúdio.
Martin ouviu atentamente o relato de Summers, lhe contando todos os problemas que estavam enfrentando. A resposta do maior produtor musical de todos os tempos foi a seguinte: “Lamento saber que vocês estejam tendo problemas. No entanto, tenho certeza de que vocês conseguirão superá-los juntos. Eu já vi tudo isso antes. Nós somos ingleses. Aceita mais uma xícara de chá?”.
Synchronicity 2
Depois de uma pausa para as composições de seus parceiros musicais, provavelmente muito a contragosto, Sting volta com força total, com uma das canções mais energéticas e contagiantes de toda a carreira do The Police. Um verdadeiro clássico instantâneo no qual o vocalista solta seu grito de guerra, destinado a conquistar o mundo da música internacional.
A letra, mais uma das que foi inspirada na obra de Carl Jung, estabelece um paralelo entre o surgimento de um monstro nas profundezas de um lago na Escócia e a vida monótona de um operário, à beira de um colapso mental, que trabalha em uma fábrica e cuja vida está preenchida apenas pelo aborrecimento, frustrações e infelicidade. O monstro representa sua ansiedade, tudo que ele nega e esconde de si mesmo em seu inconsciente, até que uma hora isso se torna impossível. A cada estrofe da canção, enquanto Sting relata a monotonia e humilhações pela qual o protagonista passa em sua carreira, o monstro do lago na Escócia vai se aproximando, primeiramente rastejando no fundo do lago, depois subindo para a superfície, até que, ao fim da canção, a sombra do monstro já está porta da casa do operário. Sting nos deixa imaginar qual final trágico foi reservado ao protagonista da canção.
Uma canção fantástica, muito pesada em todos os sentidos.
Every Breath You Take
Em uma entrevista realizada na época, Sting afirmou: “Eu acho mais fácil escrever canções infelizes. “Every Breath You Take” é uma canção muito triste, que me deixa triste, mas é uma tristeza maravilhosa. Ela foi escrita em um período de uma horrível angústia pessoal e foi algo catártico eu ter escrito aquela canção”. “Essa canção tem algum tipo de poder, acho que talvez seja devido à sua ambiguidade, pois ela é ao mesmo tempo sedutora e sinistra”. “Meu objetivo original era escrever uma canção sedutora de amor. No entanto, o que eu obtive no final foi algo muito mais sombrio. A minha vida particular invadiu a canção. Tudo à minha volta parecia estar se desintegrando: meu casamento, minha banda, minha sanidade, e tudo isso em uma época que, visto de fora, eu aparentava ser um dos músicos mais bem-sucedidos do mundo.”
Através de seu sincero relato podemos ter alguma noção das dificuldades enfrentadas pelo líder da banda. No entanto, temos que concordar com ele. A canção é realmente maravilhosa, e acabou se tornando a mais famosa de toda sua carreira, tanto no The Police quanto em seus álbuns solo.
Se há alguma canção perfeita no mundo, provavelmente essa é uma delas. Tudo funciona magistralmente, desde a letra profundamente tocante, a bateria impecável de Stewart Copeland, a guitarra precisa e melódica de Andy Summers, além do vocal sofrido e o baixo pulsante de Sting.
A letra da canção conta a história de um relacionamento doentio, no qual o protagonista controla, vigia e observa cada passo e movimento de sua companheira. A situação é tão grave que ele pergunta: “Será que você não percebe que você me pertence?” O protagonista sofre com qualquer movimento de liberdade de sua amada que, no final das contas, o abandona. É um caso clássico de amor possessivo e controlador.
Após ter concluído a canção, Sting teve sentimentos dúbios em relação a ela. Se por um lado ficou satisfeito com sua beleza e perfeição estética, a mensagem e a letra o assustaram. Será que o caso de amor descrito na canção era o amor real? Claro que não. Para tentar remediar a situação, ele compôs uma canção “antídoto”, que foi lançada no álbum seguinte, o primeiro de sua bem-sucedida carreira solo. O título dela é “If You Love Somebody, Set Them Free”. Agora sim ficara satisfeito: se você ama alguém, deixe o livre.
Sting declarou que muitas vezes que encontra seus fãs, especialmente casais, eles lhe dizem que escolheram “Every Breath You Take” como a música do casal, ou a canção que foi tocada em suas cerimônias de casamento. A reação dele sempre é a mesma, de espanto e horror. Ele se pergunta se as pessoas realmente prestaram atenção à letra que ele canta. Sua resposta aos que fazem tal comentário também é sempre a mesma: deseja boa sorte ao casal e vai embora imediatamente.
King of Pain
A inspiração para essa maravilhosa canção, uma das melhores de toda a carreira do grupo, surgiu em uma tarde, quando Sting estava sentado embaixo de uma árvore em seu jardim, vendo o pôr do sol. Ao prestar atenção no belo espetáculo, notou que havia uma mancha preta na superfície solar. Ficou espantado com sua descoberta e se virou para sua namorada da época, Trudie Styler, que posteriormente se tornou sua segunda esposa, e lhe disse que havia uma pequena mancha preta no sol. Além disso, falou: “Acho que é a minha alma lá em cima”. Sua namorada fez pouco caso de seu comentário e respondeu: “Lá vai ele novamente, o rei da dor!”, que acabou se tornando o título da canção.
Também declarou: “Parece que sou duas pessoas. Por um lado, uma personalidade soturna, voltada para a destruição e, por outro, um louco despreocupado.”
“King of Pain” foi uma daqueles canções que fez sucesso imediato em todas as rádios e com os fãs do The Police. Além da incrível letra, a melodia da canção e o seu refrão são extremamente contagiantes. Sempre foi uma faixa que levantou o público em todas as apresentações em que foi executada e, até hoje, é a favorita de muitos fãs.
A letra da canção lida com temas abordados na teoria da sincronicidade de Jung, mesclada com sentimentos pessoais do autor, sempre mencionando a sensação de alienação, isolamento, na esperança de que alguém consiga salvá-lo de todo o seu sofrimento. No final, lamenta profundamente toda a situação e admite que ele sempre será o rei da dor.
Uma obra prima do grande compositor e baixista.
Wrapped Around Your Finger
Essa é a terceira de uma sequência de quatro canções épicas do álbum “Synchronicity”. Um dos arranjos musicais mais belos e delicados da carreira do The Police, executado magistralmente pelos fabulosos músicos Andy Summers, com sua guitarra discreta e com enorme bom gosto, juntamente com um trabalho percussivo sutil, porém poderoso do incrível Stewart Copeland. Tudo isso em cima de uma letra brilhante, cantada com a voz inconfundível e marcante de Sting. Mais uma obra perfeita.
A inspiração para a canção veio de várias fontes diferentes. Por um lado, há um elemento de alquimia, assunto de interesse do compositor. Por outro, há influências do tarô e da história lendária do folclore alemão do Dr. Fausto, que vende sua alma ao diabo em uma encruzilhada em troca de sucesso, conhecimento ilimitado e prazeres terrenos, com o qual Sting se identificava.
A letra, bastante complexa e obscura, dá espaço a inúmeras interpretações diferentes. Em uma passagem, Sting afirma que “Mefistófoles (o demônio com o qual o Dr Fausto negocia sua alma) não é o seu nome, mesmo assim eu sei o que você almeja”. Há uma clara relação entre mestre e aprendiz, no qual inicialmente o aprendiz se encontra preso em torno do dedo de seu mestre. Ele veio apenas buscar conhecimento, coisas que não são ensinadas na escola. No final da canção, os papéis se invertem.
Tea in the Sahara
O livro “The Sheltering Sky”, de Paul Bowles. Trata-se da história de três irmãs, cuja única ambição é a de tomar chá no deserto do Saara. Elas dançam em troca de dinheiro em cafés na Argélia, mas vivem frustradas pois os homens argelinos para quem elas dançam são feios e as pagam mal. A situação persiste até que um dia conhecem um homem bonito e charmoso que pedem que elas dancem para ele, lhes dizendo que tem uma casa no meio do deserto e, em seguida, vai embora. Elas haviam se apaixonado.
As irmãs economizam dinheiro, compram um bule de chá e algumas xícaras e partem para o deserto, a fim de encontrá-lo e realizarem seu sonho. Infelizmente, a história termina de maneira trágica.
Essa é uma canção sobre promessas não cumpridas e sobre sonhos não realizados.
Sting canta suavemente a letra da canção, provavelmente a mais atmosférica da carreira da banda, com uma instrumentação magistral, esparsa. Andy Summers usa seus pedais de efeito delay de forma brilhante, assim como Stewart Copeland com sua percussão inspirada e delicada. Realmente é uma das melhores canções da banda, uma das mais “vazias” que já ouvi, com muito espaço entre as notas musicais.
Sting declarou que essa é uma de suas canções favoritas.
Murder by Numbers
Essa canção foi criada inicialmente por Andy Summers, que trouxe para Sting uma sequência de acordes jazzísticos altamente sofisticados, exóticos e incrivelmente belos.
O vocalista ficou interessado pela canção e perguntou à Summers se poderia escrever uma letra para ele. Andy concordou com a proposta. Sting então fez uma gravação da sequência musical e saiu para uma caminhada ouvindo a fita. Durante o passeio lhe veio a ideia de escrever uma ácida paródia, crítica aos livros de autoajuda, nos ensinando a fazer de tudo e a resolver todos os nossos problemas.
Na canção, o protagonista nos ensina a cometer um assassinato e como fazer isso com classe, de maneira profissional, sem derramamento de sangue. Conta que você poderá transformar isso em uma forma de arte. Assassinar alguém é tão fácil como aprender o ABC.
No final das contas, se você assassinar um grande número de pessoas poderá juntar aos maiores líderes, fazendo parte do “Hall da Fama Sombrio”, podendo até mesmo chegar a ser eleito para algum cargo importante, quando então poderá mandar matar pessoas livremente, sem ter que mexer um dedo de sua mão.
A canção é ao mesmo tempo brilhante e bizarra. Tão incomum que até Frank Zappa convidou Sting para cantá-la em um dos seus shows. Um encontro único.
Once Upon a Daydream
Embora não seja oficialmente uma faixa de “Synchonicity”, essa canção foi lançada na mesma época como lado B do single “Synchronicity 2”, pois foi gravada nas mesmas sessões do álbum. Além disso, o próprio Sting a considera uma canção do álbum em seu livro de letras intitulado “Lyrics by Sting”. Como o próprio autor a incluiu no álbum, me vi no dever de fazer o mesmo, pois ela se encaixa perfeitamente com o restante das canções.
Mais uma canção originalmente composta por Andy Summers, a qual foi apresentada à Sting, que criou sua letra trágica e assustadora.
O protagonista da canção se apaixonou por uma moça, a engravidando, e ambos se casaram. O pai da moça descobriu que ela estava grávida, a espancou e acabou matando o bebê que ainda estava em seu ventre. Como vingança, o protagonista comprou uma arma e matou o pai da moça, sendo preso logo em seguida.
A canção conta do sofrimento e tristeza sentida pelo rapaz, que passará o resto de seus dias na cadeia, imaginando uma vida a qual nunca terá com sua esposa e filho. Ele passa seus dias sonhando e chorando.
Sting interpreta a canção com uma voz apática, como se o mundo estivesse desmoronando ao seu redor e ele em estado de choque, sem conseguir esboçar qualquer reação. Sem dúvida alguma, um final muito impactante para a obra máxima dessa que foi uma das maiores bandas de todos os tempos, com a breve colaboração entre três músicos geniais: The Police.
O LEGADO DE “SYNCHRONICITY”
Quando o álbum foi lançado atingiu o primeiro lugar das paradas nos EUA e Reino Unido, ficando 17 semanas no topo, chegando a tomar o lugar ocupado pelo mega álbum de Michael Jackson, “Thriller”. “Synchronicity” vendeu mais de 11 milhões de cópias no seu lançamento.
Sobre o enorme sucesso do álbum, Sting declarou: “As pessoas gostam de canções tristes. Eu tenho o tipo de voz que combina com canções tristes. No passado, várias vezes eu tive a sensação de que criava a infelicidade deliberadamente. Dessa vez eu não tive esse problema”.
O líder do The Police considerou que “Synchronicity” foi o álbum mais refinado que fizeram em sua carreira. No entanto ficou surpreso com o sucesso e vendagem do álbum, pois ele considerava que esse fora o seu trabalho mais esotérico até então. Ele também declarou ter ficado muito orgulhoso com a alta qualidade do álbum, que levou muito tempo para ser composto e concluído, além de ter sido o mais difícil que a banda gravou.
A “Synchronicity Tour” foi uma das mais bem sucedidas da história, pois a banda esgotava todos os ingressos dos shows agendados, sendo recebidos pelos seus fãs como a maior banda do mundo deveria ser tratada. Há um registro sensacional em DVD dessa tour, chamado “The Synchronicity Concert”. É seguramente um dos melhores shows que eu já assisti, com a banda executando todos os seus clássicos ao vivo em plena forma, particularmente as novas canções. É um show contagiante, que deixa qualquer um eletrizado.
O ápice da tour aconteceu em Nova York, quando se apresentaram no famoso Shea Stadium, local do maior show da carreira dos Beatles, que se apresentaram para 50.000 fãs 19 anos antes do The Police. Sting se sentiu glorioso, pois sua banda conseguiu vender 70.000 ingressos, uma plateia maior do que a de seus ídolos. Durante a apresentação, Sting agradeceu aos Beatles por “emprestarem a eles o seu estádio”. Nessa noite, o vocalista decidiu que o fim da banda havia chegado. Não havia mais nada ser feito. Eram a maior banda do mundo, haviam batido o recorde de plateia dos Beatles, eram famosos pelo mundo inteiro. Eles estavam no ápice da carreira. O que restava a ser feito? Para Sting chegara o tão aguardado momento de partir para uma carreira solo, livre de seus ex-colegas de banda e ávido para criar obras com outros músicos diferentes.
“A coisa mais importante para mim é tocar e desenvolver o lado artístico de minha natureza. Infelizmente, isso tende a arruinar o lado pessoal da minha vida. Isso destrói relacionamentos e você se torna para sempre um escravo de uma outra amante: a música”, declarou Sting em uma entrevista realizada na época do lançamento do álbum.
Andy Summers foi o único que lamentou o fim do grupo, pois achava que foi algo prematuro, eles ainda eram muito queridos e vendiam uma enorme quantidade de álbuns.
O The Police chegou a começar a gravar um álbum depois de “Synchronicity”, mas abandonou o projeto, pois o relacionamento entre Sting e Stewart Copeland havia chegado à uma ruptura.
Em 1986 a banda fez uma participação em três show da tour “Conspiracy of Hope”, na qual Sting havia sido convidado a se apresentar. Ele estendeu o convite a seus dois ex-colegas de banda, em uma tentativa de reaproximação com eles. Embora tenham sido muito bem acolhidos pelo público e tocado como se nunca tivessem se separado, ficou claro para Sting que não havia mais a possibilidade de prosseguir com a banda. O mundo havia mudado e uma jovem banda irlandesa estava lutando para alcançar o topo. O nome dela era U2. Sting viu neles os sucessores naturais do The Police. Para saber mais sobre o assunto, clique no link a seguir para ler a minha matéria sobre o U2 e sua relação com o The Police. https://www.cidadeecultura.com/album-the-joshua-tree-u2/
Em 2007, para a surpresa de todos, o grupo se reuniu, aceitando o convite feito por Sting a seus dois ex-colegas de banda. A tour de reunião deles foi um sucesso total, passando rapidamente pelo Brasil, para um show no Rio de Janeiro, tocando sempre em estádios lotados por todo o mundo. Isso provou que o poder da música do trio ainda estava intacto e que seus fãs não haviam se esquecido deles, além de muitos outros que haviam descoberto a banda mais tarde, quando ela não existia mais. Para Andy Summers, foi a tour de despedida que eles nunca haviam feito e que o deixara amargurado por tantos anos. Ele dizia que a história da banda nunca havia tido um fechamento digno, que eles não tiveram a oportunidade de se despedir de seus fãs e lhes agradecerem por todos os anos de apoio que receberam. Agora, encerrada a tour, os três poderiam novamente seguir os seus caminhos individuais, com sua amizade renovada, pois todos eles já tinham amadurecido e compreendido que a obra que criaram juntas era algo muito especial, um legado que ficará marcado para sempre na história do rock mundial.
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BIBLIOGRAFIA:
Lyrics by Sting – Sting
One Train Later – Andy Summers
Strange Things Happen – Stewart Copeland
The Police – A Visual Documentary by Miles
The Police – James Milton
Sting – Uma Biografia – Wensley Clarkson
The Words and Music of Sting – Christopher Gable
The Complete Guide to the Music of The Police and Sting – Chris Welch
Wikipedia
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