Tucupi, maniva e jambu, para o paraense tradicional essa mistura vale ouro e no Círio de Nazaré não pode faltar no almoço. Dessa mistura surge a tradicional maniçoba e os pratos no tucupi, como o pato. Os tradicionais pato no tucupi e a maniçoba são considerados comidas típicas regionais originárias de práticas alimentares indígenas.
A maniva é a folha moída da mandioca (Manihot esculenta Crantz), que na culinária paraense é ingrediente principal da maniçoba, ainda pouco conhecida Brasil afora. A maniçoba é bem parecida com a feijoada, mas no lugar do feijão, usa-se a folha da mandioca moída (maniva) que deve cozinhar por ao menos sete dias. Esse ritual perfuma a cidade no mês de outubro e tem uma razão muito importante. A espécie possui alto teor de ácido cianídrico, ou seja, o veneno cianeto, e precisa desse tempo de cozimento para ser eliminado e ser seguro para o consumo humano. Essa iguaria gastronômica desafia os consumidores pelo tempo e cuidados com o preparo, e pela aparência, de um verde escuro que pode causar estranhamento aos visitantes. Mas o sabor forte e inconfundível certamente vai conquistar os que se aventurarem em desbravá-la.
O tucupi é um líquido amarelado extraído da mandioca (Manihot esculenta Crantz), planta que é a cara do Brasil e tem o estado do Pará como maior produtor nacional do tubérculo. Adorado pelos paraenses e usado como ingrediente em uma infinidade de pratos regionais, está virando artigo gourmet e cada vez mais conquista paladares dentro e até fora do Brasil, levado por diversos chefs, encantados com o sabor único e ácido. No almoço do Círio é muito usado com o pato.
Também denominada agrião-do-pará, o jambu é par perfeito com o tucupi e está presente em diversos pratos e até bebidas na culinária paraense. A dormência nos lábios deixada pelas flores do vegetal desperta um sentido saboroso e nada comum durante a degustação. Por ser quase que exclusivamente produzida em pequenas propriedades, estima-se que 240 mil maços de jambu sejam consumidos só no almoço do Círio.
“O Círio é uma festa religiosa que está associada a práticas alimentares e a um cardápio próprio e tradicional na cidade de Belém. A preparação para o Almoço do Círio começava bem antes a data, com a preparação da maniçoba, ao menos 7 dias antes da procissão, ou mesmo um ano antes com a criação pelos quintais dos patos, que deveriam ficar bem “gordos” para serem servidos no tucupi, no tradicional almoço”, conta a professora Sidiana Macêdo, historiadora da alimentação e docente da Faculdade de História do campus universitário de Ananindeua, da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Segundo a pesquisadora, o almoço do Círio passou a ser tradição ainda no século XIX, no jornal Gazeta Official, em 27 de setembro de 1859, o Hotel Estrella do Norte oferecia todas as qualidades de refrescos e comidas para o almoço do Círio. Não seria o único. Nas casas particulares essa importante tradição também existia. Na década de 1920, o pato era presença obrigatória nas mesas do Círio, inclusive nos restaurantes e outros locais de venda de comida. “O almoço do Círio está presente nas memórias e histórias dos paraenses. Mobiliza a família em torno da mesa, tanto os que ficaram em casa, como aqueles que foram para a procissão do Círio. Mas, mesmo fora de casa, outros desfrutam do almoço do círio, consumindo seus pratos típicos nos restaurantes e barracas de rua da cidade de Belém”, enfatiza a historiadora.
Em junho de 2022, foram sancionadas as leis declarando a maniçoba e o pato no tucupi patrimônios culturais de natureza imateriais do Estado.
Incentivo ao empreendedorismo
O incentivo para produção desses ingredientes já é feito por meio do Projeto Tipitix – empreendedorismo agroalimentar comunitário, uma parceria entre o Fundo de Sustentabilidade Hydro (FSH) e a Fundação Mitsui Bussan do Brasil, com execução do Instituto Peabiru. O projeto apoia a geração de renda de agricultores de Barcarena, ao aumentar a qualidade e o valor agregado da produção local familiar, permitindo que alcance diferentes mercados e consumidores.
Em quatro ciclos, desde 2021, foram investidos um total de R$ 2,8 milhões. O programa contou, neste período, com a participação de 43 empreendedores de 21 comunidades de Barcarena. Ofereceu 280 horas em oficinas e capacitações, gerou 54 produtos, com 22 pontos de venda no Pará e mais cinco estados (Amazonas, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo). A renda gerada pelo projeto para os produtores foi de cerca de R$ 100 mil, com previsão para chegar em 200 mil reais até final deste ano.
“Investimos mais de R$ 2 milhões em quatro ciclos de desenvolvimento do projeto, com diversas experiências inovadoras e produtos colocados no mercado, agora chegou a hora de consolidar a comercialização dos produtos que temos para atender a demanda crescente não só aqui no estado, como para fora. Queremos que esses produtores que começaram com um sonho possam dar continuidade aos negócios, ampliando mais ainda os mercados”, afirma Eduardo Figueiredo, diretor executivo do FSH.
Muitos desses empreendedores já estão com produtos e serviços inseridos no mercado, alcançando Abaetetuba, Belém e outros estados como Maranhão e Minas Gerais. É o caso da Dona Carmem, com a sua empresa Bem Jambu, administrada por ela com o apoio do marido e dos filhos. Não é só a família da Carmem que lucra com a produção, pois o jambu utilizado é adquirido de outros agricultores, e assim toda uma cadeia é beneficiada.
“Sempre tive dificuldade de encontrar o jambu pronto para uso, então foi pensando nessa praticidade que resolvi investir na produção do jambu limpo, cozido e congelado para consumo. Quando vi a chamada para participar do projeto Tipitix, achei muito válido e interessante o incentivo e resolvi participar”, conta Carmem. Ela já comercializa seu produto em grandes redes de supermercado na capital e em outros estados.
Outra beneficiária é a Raquel Rodrigues Mendes, participante do projeto Ativa Barcarena, da Hydro, e selecionada para participar do 2º ciclo do Tipitix. “Minha mãe já trabalhava na roça com plantio de mandioca. Adquiri dela todo o conhecimento para trabalhar com o tucupi e algumas técnicas do projeto do Ativa, que me proporcionam sustentar minha família com a venda do produto nas feiras”, relata Raquel, que com o apoio criou a marca Raiz da Mata.
Com a proximidade do Círio, a sua produção aumentou, passando de 800 litros de tucupi produzidos mensalmente para 1.500 litros. “Essa época sempre foi muito boa para nós, as encomendas aumentam e, agora, com a produção em grande escala por conta dos apoios recebidos da Hydro, nossa renda aumentou e podemos oferecer um produto de melhor qualidade ao consumidor. Eu e minhas filhas vivemos só da produção do tucupi e ele faz parte da vida do paraense”, conta Raquel.
Quando é selecionado para um ciclo, o produtor chega com uma ideia de negócio e recebe suporte técnico para aprimorá-la em quatro meses. O Tipitix conta com uma equipe de profissionais que oferece o suporte para o desenvolvimento deste produto, com estudo de mercado, público consumidor, precificação, desenvolvimento de um protótipo, que é testado no mercado, para só depois entra na linha de produção, na Unidade de Beneficiamento do Tipitix, também localizada em Barcarena.
Entre outros produtos já lançados no mercado estão: geleias de açaí e muruci; cobertura para sorvete de açaí, taperebá e cupuaçu; chopp de frutas pão de queijo de macaxeira; farofa; farinha e goma de tapioca; urucum; compota de frutas; cocada; temperos e molho de pimenta.
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